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Michael Jackson: Um artista tentando curar sua dor através da arte

Em meados dos anos 90, o fotógrafo Steven Paul Whitsitt recebeu um fax em seu apartamento em North Hollywood. Era um mapa com instruções vagas e um horário de chamada. Ele mal sabia que aquele papel marcaria uma das experiências mais marcantes de sua carreira ao lado de Michael Jackson.

O destino indicado no mapa era El Camino Pines, um acampamento nas montanhas da Califórnia. Steven ficou surpreso. Ele já tinha trabalhado ali anos antes, como zelador. Agora, voltava como fotógrafo de uma das maiores estrelas do mundo. O choque foi imediato. Parecia coincidência demais.

Ao chegar no local, o frio era intenso. O acampamento estava entre 1.500 e 1.800 metros acima do nível do mar, e a temperatura despencava assim que o sol se punha. Mesmo com casacos, o frio entrava nos ossos. E Michael Jackson não gostava de baixas temperaturas. Ainda assim, lá estava ele, firme, envolvido pela história que queria contar.

O curta “Childhood” era diferente de tudo. Michael não dançava, não se movia, apenas sentava sobre um toco de árvore, imóvel. Para Steven, isso representava um desafio. Ele precisava criar boas imagens com pouca variação de ângulo e expressão. Mas rapidamente entendeu que a força da cena estava justamente na imobilidade.

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Michael Jackson no set de filmagens de Childhood, por Steven Paul Whitsitt

A direção do curta ficou por conta de Nick Brandt, que mais tarde se tornaria um fotógrafo renomado de natureza e conservação. Nick também dirigiu “Earth Song” e “Stranger in Moscow”. Foi trabalhando com Michael que ele decidiu mudar o rumo da carreira.

A produção de Childhood foi feita em duas etapas. A primeira no acampamento, em meio à floresta. A segunda, dentro de um estúdio com fundo azul, onde as cenas das crianças nos barquinhos foram criadas digitalmente. Essas imagens representavam o mundo imaginário de uma infância que Michael não viveu.

Durante uma pausa nas filmagens, Michael e Steven conversaram dentro de uma van. Michael contou que a segunda parte do vídeo mostraria crianças flutuando no céu noturno. Ele explicou que “Childhood” era a música mais honesta que já tinha escrito.

Steven percebeu que o peso emocional daquela produção era real. Não eram palavras ensaiadas, era sentimento verdadeiro. Michael falava sobre sua infância com um tom de dor, diferente de qualquer outro assunto. Isso ficou gravado na memória de Steven.

Dias depois, em estúdio, Steven montou um pequeno set de fotografia para registrar os rostos das crianças que participavam do vídeo. Entre elas, dois sobrinhos de Michael. Um dos registros mais simbólicos mostrava as crianças reunidas ao redor do mesmo toco de árvore onde Michael aparece no vídeo. A imagem ganhou ainda mais significado por esse detalhe.

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Crianças que participaram do clipe de Childhood, por Steven Paul Whitsitt

A cena em que um dos meninos flutua ao lado de Michael foi gravada em duas partes. No acampamento, o garoto foi içado por cabos, e depois, no estúdio, as outras crianças o ajudavam a subir no barco.

Steven contou que tudo aconteceu muito rápido. A parte na floresta foi gravada em uma única noite. A parte do estúdio levou alguns dias. Mesmo com o tempo apertado, o resultado final foi impactante. Michael estava focado, envolvido, mas também carregava certa tristeza no olhar.

Nos bastidores, Steven conseguiu alguns registros raros de Michael enrolado em cobertores, tentando se aquecer. Mesmo assim, ele nunca reclamava. Apenas continuava o trabalho. Sabia que estava contando uma história importante, talvez a mais importante de sua carreira.

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Michael Jackson se aquece do frio no set de filmagens, Steven Paul Whitsitt

Mais tarde, Steven foi chamado ao apartamento de Michael na Trump Tower. Ao chegar, foi recebido por ele para uma conversa. Michael queria discutir a capa do single “Smile”. Para explicar o que queria, simplesmente começou a cantar a música ali mesmo. Uma apresentação privada, sem aviso, só para Steven. Ele ficou sem reação.

“A voz dele era tão pura que eu não sabia onde olhar,” lembrou. Foi um dos momentos mais marcantes que teve com Michael. Não era uma performance pública. Era pessoal. Era genuíno.

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O fotógrafo Steven Paul Whitsitt segura o raro single promoional da música Smile

Steven também fotografou Michael em visitas a hospitais infantis, onde ele levava brinquedos para as crianças. Nunca houve divulgação. Michael fazia essas visitas sem querer publicidade. Segundo Steven, isso tinha tudo a ver com a dor de não ter tido a própria infância. Ele queria que outras crianças tivessem o que ele não teve.

Hoje, olhando para trás, Steven reconhece que “Childhood” não é apenas um clipe. É uma confissão visual. Um retrato sincero de quem Michael Jackson era por dentro.

Um artista tentando curar sua dor através da arte.