Michael Jackson em palestra na Oxford, 2001

Palestra em Oxford

Por Andréa Luisa Bucchile Faggion;
Originalmente publicado na coluna “Amém”, Edcyhis (2002);
Republicação adaptada pela MJ Beats.


Relembrando 2001, é impossível não mencionar que naquele ano Michael Jackson esteve acompanhado de dois amigos inusitados: Uri Geller, de quem foi padrinho de casamento, e o rabino Shmuley Boteach. Qual o status dessas amizades hoje, não se sabe. Com o rabino, Michael chegou a fundar a Heal the Kids, uma fundação destinada a aproximar pais e filhos — embora, depois de muito alarde, pouco mais tenha se ouvido falar da iniciativa.

Na modesta opinião desta coluna — correndo o risco de soar maledicente —, Boteach parecia mais interessado em poder dizer: “Sou eu ali na foto, ao lado de Michael Jackson.” Talvez Michael tenha percebido isso a tempo. De todo modo, esse tipo de fofoca não é o foco aqui. O que realmente importa em tudo o que cercou o projeto Heal the Kids foi a palestra que Michael ministrou em Oxford.

Mas quantos, além dos fãs mais dedicados, lembram que Michael Jackson esteve em Londres não para cantar, receber prêmios ou acompanhar Liz Taylor em alguma homenagem — mas para dar uma conferência em uma das universidades mais prestigiadas do mundo? Na ocasião, com dois ossos quebrados no pé, chegou a usar cadeira de rodas, mas preferiu se apresentar de muletas — embora de forma um tanto desajeitada.

Sua aparência geral era a de um homem cansado e fragilizado, que, apesar das dificuldades, fazia questão de honrar o compromisso assumido e ainda ser atencioso com os fãs. Mesmo com limitações, Michael insistiu em fazer a palestra em pé.

A imprensa — impedida de entrar por decisão do próprio Michael — reagiu como era de se esperar: com deboche, cinismo e distorções do conteúdo apresentado. E então fica a pergunta: o que Michael ganhou com isso?

Antes de responder, vale destacar que não apenas o local podia parecer improvável — afinal, tratava-se de um artista com pouca educação formal falando para uma plateia acadêmica, carregada de preconceitos e cinismo típicos desses ambientes — como também o tema poderia causar desconforto: Michael Jackson falando sobre o bem-estar infantil. Em um cenário assim, parecia estar sendo lançado aos leões. Então, por que correr tal risco?

Michael há muito já havia falado publicamente sobre sua infância difícil, explicando o que havia moldado aspectos de seu comportamento adulto. Seu olhar, sempre vagamente melancólico, transparecia uma dor antiga. Mesmo evitando especulações psicológicas, é quase inevitável concluir que seu desconforto social vinha mais da relação conturbada com o pai do que da fama.

Talvez aquele menino tenha aprendido a temer o mundo porque precisava temer justamente quem deveria amá-lo. Conhecendo essa história — uma entre tantas outras semelhantes —, seria fácil supor que Michael usaria o palco para culpar os pais por seus problemas e aconselhar os filhos a fazerem o mesmo.

Mas não foi esse o tom de sua fala. Pelo contrário: ouvindo a palestra, fica claro por que Michael conseguiu sobreviver a um passado tão doloroso e se tornar um homem que, embora excêntrico, sempre demonstrou dignidade.

Ele deu uma verdadeira lição de responsabilidade.
Em vez de incentivar os filhos a transferirem a culpa para os pais, pediu que perdoassem seus pais e quebrassem o ciclo de erros. Foi uma lição comovente — e longe de ser piegas — de compreensão e maturidade.

No fim das contas, Michael não estava no lugar errado nem falando sobre um tema inadequado. Ele falou como alguém que aprendeu a lidar com seu passado e a se responsabilizar por seu presente — e que tinha muito a ensinar a respeito.

E o que Michael ganhou com essa palestra? A oportunidade de garantir que um tema tão importante para ele não se tornasse um tabu em sua presença. Quem perdeu foram aqueles que preferiram ignorar suas palavras e transformar tudo em piada descartável da semana. Talvez o mundo, nesse caso, tenha sido o verdadeiro desajustado.[*]


[*] Este texto foi adaptado para refletir os valores e diretrizes atuais, com o objetivo de preservar sua relevância e respeito ao público contemporâneo.