Quando Michael Jackson convidou o mundo para visitar a favela

Michael Jackson grava "They Don't Care About Us" no Morro Dona Marta

‘‘Em 1996, Michael Jackson veio ao Brasil filmar algumas cenas para They Don’t Care About Us, videoclipe de cinco minutos de duração dirigido por Spike Lee. O Pelourinho, em Salvador, e o Morro Santa Marta, na zona sul carioca, foram escolhidos como cenários para o clipe cujo tema era a vida dos pobres nas grandes cidades do mundo e a indiferença do poder público e das elites a seus apelos.

Enquanto os moradores do Santa Marta vibravam de alegria — receberam o mega-astro com muito samba e lhe prometeram construir o Museu Michael Jackson para comemorar a visita –, as autoridades governamentais eram pura indignação.

Ronaldo Cezar Coelho, então Secretário do Comércio e Indústria, exigia direito de edição, argumentando que o vídeo denegria a imagem da cidade mundo afora, enquanto Pelé propagava que o vídeo arruinaria as chances de o Brasil sediar os Jogos Olímpicos de 2004. “Michael Jackson quase foi parar na cadeia; agora ele quer virar o rei da miséria e da pobreza”, acusou Marcello Alencar (O Globo, 13/03/1996).

Confirmando as previsões do então governador, Jackson tornou-se, de fato, o “rei da favela”. Entre as filmagens, o pop star desdobrava-se para agradar os fãs, cumprimentando a todos, dispensando até mesmo sua máscara em suas andanças pelo Santa Marta. Os fãs retribuíram-lhe com uma faixa: “Michael, you are not alone. Dona Marta loves you”.

A temperatura política aumentou quando os principais jornais cariocas publicaram, em primeira página, que Jackson havia contratado uma produtora brasileira para negociar preços e locações com Marcinho VP, líder do tráfico de drogas na localidade.

O promotor público pediu ao juiz que determinasse a suspensão das filmagens sob o argumento de que a indústria do turismo estava sendo seriamente comprometida. As autoridades governamentais se diziam humilhadas e acusavam a Sony, gravadora de Jackson, de explorar comercialmente a pobreza da localidade.

Diziam que o clipe reforçaria o estereótipo da favela como lugar da miséria, violência e tráfico de drogas (Jornal do Brasil, 12/02/1996), o que inspirou Spike Lee a chamar as autoridades do estado de “ridículas e patéticas” e o Brasil de uma “república das bananas”. “O que eles acham? Que a pobreza no Brasil é segredo?” (Jornal do Brasil, 13/02/1996).

Desde esse episódio, muita coisa mudou. As favelas não apenas foram reconhecidas como destinos turísticos pela RioTur, mas o próprio poder público passou a promover o turismo em algumas destas localidades. Isto não significa, por certo, que o estigma em relação às favelas e aos favelados tenha se esvaído — ao contrário –, mas que certamente está em jogo uma outra política de visibilidade, para o bem e para o mal.

É desta nova política de visibilidade, que permite a elaboração e venda da favela carioca como destino turístico, que trata esta comunicação.

Bianca Freire-Medeiros,
Extrato do artigo ‘‘Reflexões e polêmicas em torno de um destino turístico”

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