“Michael, Michael, eles não ligam pra gente!”. Essa frase não foi só o começo de um clipe. Foi o início de um dos momentos mais marcantes da música pop no Brasil. Em 1996, Michael Jackson escolheu o Pelourinho, em Salvador, e a favela Santa Marta, no Rio de Janeiro, para gravar “They Don’t Care About Us”, sua música mais politizada.
Gravado com participação especial do Olodum, o clipe levou os tambores baianos e a estética das comunidades brasileiras para os quatro cantos do mundo. Mais do que um videoclipe, foi um manifesto visual e sonoro contra a desigualdade, a opressão e o racismo.
A imprensa internacional não perdoou. Críticas surgiram de todos os lados, acusando Michael de explorar imagens da pobreza. Mas o impacto foi outro por aqui. Salvador viu sua alma representada. O Pelourinho, que por anos foi apagado das vitrines turísticas, ganhou protagonismo.
“Foi aqui que Michael dançou. Foi aqui que ele caiu e levantou sorrindo”, conta Jason Wilde de Jesus Queiroz, que tinha só 11 anos quando dançou ao lado do ídolo. Hoje, ainda é lembrado como “o menino que dançou com Michael”.
Outro personagem emblemático da história é o percussionista Bira Jackson. Não, não é parente. Mas o apelido ficou para sempre. Desde aquele dia, levantar o tambor sobre a cabeça virou sua marca registrada, eternizada no videoclipe.
A Casa Número 8, de onde Michael cantou para a multidão, virou ponto turístico. Seu Carlos, dono da loja, viu o negócio mudar de patamar. Camisetas do Olodum, fotos antigas e até pedaços de azulejo da sacada viraram souvenires disputados. E quem compra ainda pode subir na varanda e reviver o momento mágico.
No Rio, a situação foi bem mais complicada. As autoridades tentaram barrar a gravação em Santa Marta com medo de “manchar a imagem” da cidade. Mas Michael insistiu. E gravou. No clipe alternativo, gravado nos Estados Unidos, a violência policial e a brutalidade carcerária são retratadas com força. O vídeo foi censurado por lá. No Brasil, virou símbolo de resistência.
Michael provocou. Chegou a cantar no ouvido de policiais e fazer caretas diante das câmeras. A cena é sutil, mas o recado foi direto. Ele não estava ali só pra dançar – estava pra denunciar.
Salvador, por sua vez, recebeu o astro como se fosse um filho da terra. Entre o vermelho, verde, amarelo e preto do Olodum, Michael se entregou de corpo e alma àquela energia única da Bahia. E a cidade nunca mais foi a mesma.
Os bastidores também viraram lenda. Imensos panos brancos foram estendidos para proteger o astro do sol forte. Só passava pelo Pelô quem morava lá ou estava hospedado na região, com documentos na mão. Foi uma operação de guerra para criar algo que, no final, parece tão espontâneo e leve.
O som do Olodum deu nova vida à música. O samba-reggae misturado com axé e pitadas de hip hop transformaram “They Don’t Care About Us” numa peça única dentro da obra de Michael. A batida forte dos tambores baianos virou símbolo de luta e resistência.
A imagem do Pelourinho ganhou o mundo. Turistas passaram a incluir o local em seus roteiros, não só pela arquitetura, mas pela mística deixada ali por Michael. O clipe virou um portal entre o global e o local, o pop e o popular, o mainstream e a periferia.
E mesmo depois de tanto tempo, ainda há quem se emocione só de ouvir os primeiros segundos da música. Porque aquilo ali não foi apenas um videoclipe.
Foi uma mensagem. Um protesto com batuque. Uma visita que virou revolução.