Nos corredores sombrios da história legal americana, uma trama perturbadora emerge: em 1993, o Departamento de Polícia de Los Angeles tentou aplicar a retrógrada Lei Mann contra Michael Jackson.
Essa mesma legislação, que um dia esmagou a carreira de homens negros icônicos como Jack Johnson e Chuck Berry, foi agora mobilizada contra a maior estrela do planeta. Não por crimes, mas por ser negro.
A narrativa começa em 7 de setembro de 1993, quando o LAPD sugeriu ao Promotor do Estado que Jackson fosse acusado de sequestrar um menor. A intenção? Criar um caso federal que justificasse o uso da Lei Mann. Mas Patricia Donahue, Promotora dos EUA, rejeitou a proposta, talvez percebendo que tal acusação era um eco das mesmas táticas racistas que décadas antes destruíram vidas e carreiras de homens negros.
No entanto, o simples fato de que essa tentativa foi feita levanta uma questão que não pode ser ignorada: por que o sistema legal estava tão desesperado para derrubar Michael Jackson?
A resposta está nas profundezas da Lei Mann. Criada em 1910, ostensivamente para combater o tráfico humano, essa lei rapidamente se tornou um instrumento de opressão racial. Jack Johnson, o primeiro campeão mundial negro de boxe, foi um de seus primeiros alvos. Sua verdadeira “transgressão” foi desafiar as normas raciais de sua época, vivendo sua vida sem pedir desculpas. Johnson foi condenado não por crimes, mas por ser um símbolo de resistência negra em um mundo que exigia submissão.
Décadas mais tarde, Chuck Berry enfrentaria o mesmo destino. Em 1959, a Lei Mann foi usada para arruinar sua carreira, acusando-o de transportar uma menor de idade através de fronteiras estaduais. Os fatos pouco importavam. Enquanto isso, figuras brancas como Elvis Presley, que abertamente se relacionavam com menores, permaneciam intocáveis.
A mensagem era clara: homens negros de sucesso eram uma ameaça, e o sistema legal estava lá para lembrá-los de seu “lugar”.
Michael Jackson, como Johnson e Berry antes dele, era mais do que uma estrela. Ele era um desafio vivo ao status quo. Negro, poderoso, e adorado globalmente, Jackson era a antítese da narrativa racial que muitos tentavam perpetuar. A tentativa de aplicá-lo à Lei Mann foi uma demonstração explícita de que, apesar do brilho de suas luvas e do som revolucionário de sua música, ele nunca seria totalmente livre de ser reduzido ao que o sistema acreditava que ele deveria ser: um alvo.
Mesmo após sua absolvição em 2005, a perseguição implacável continuou, agora liderada por uma mídia que parecia mais interessada em difamar do que em reportar. Michael Jackson nunca foi julgado apenas em tribunais; ele foi julgado pelo tribunal da opinião pública, onde narrativas racistas frequentemente encontravam terreno fértil. Assim como Johnson e Berry, Jackson foi mais uma vítima de um ciclo em que a justiça não busca equidade, mas sim preservação de poder.
O que isso diz sobre a sociedade? Que, apesar de avanços aparentes, ainda somos assombrados pelos mesmos mecanismos de controle racial que devastaram vidas no século XX. A tentativa de usar a Lei Mann contra Michael Jackson não foi um desvio do sistema; foi o sistema operando exatamente como foi projetado. Seu legado, porém, permanece como uma ferida aberta e um lembrete pungente de que o racismo, camuflado de legalidade, ainda está vivo.