Little Susie: A Balada Sombria de Michael Jackson que a Mídia Preferiu Ignorar

Little Susie: A Balada Sombria de Michael Jackson que a Mídia Preferiu Ignorar

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Com estrutura incomum, ausência de redenção e uma carga simbólica profunda, “Little Susie” é um dos retratos mais cruéis – e reais – do abandono humano na obra de Michael Jackson.

Por MJ Beats — Especial com base na análise de @smokeclupeenne

Pouco antes do encerramento do álbum HIStory: Past, Present and Future – Book I, Michael Jackson entrega uma canção que não quer ser hit, não quer ser trilha de superação, e muito menos entretenimento fácil. Little Susie / Pie Jesu é o oposto da catarse pop: uma peça sombria, desconcertante e incômoda.

Gravada originalmente em 1978 e retomada nos estúdios em 1994, a música foi planejada para o álbum Off the Wall, mas acabou guardada por quase duas décadas. Jackson finalmente decidiu incluí-la no álbum HIStory de 1995, cercada por canções de denúncia, fúria e dor.

A estrutura que desafia convenções

Diferente de qualquer canção pop, Little Susie começa com uma caixinha de música melancólica, avança para um trecho orquestral sombrio e se desenvolve sem refrão, sem ponte, sem clímax — e sem resolução. A música termina como começa: fria, silenciosa, quase ritualística. Essa estrutura espelha o próprio tema da música: uma história sem fechamento, sem justiça, sem voz.

Uma personagem que simboliza milhões

A “garota com a melodia ao meio-dia” é encontrada morta. Ninguém atendeu seus gritos. Sua morte é narrada de forma quase documental, como se fosse mais um caso entre tantos. Jackson não canta a canção com potência vocal: ele sussurra, recita, lamenta. Há intenção nisso — transformar a música em obituário.

Susie é apresentada como uma criança negligenciada: mãe morta, pai ausente, avô falecido. Um retrato completo do abandono. Seu sofrimento físico é claro, mas Jackson vai além: a verdadeira morte começa antes, quando ninguém escuta, ninguém acolhe, ninguém vê.

“Negligência pode matar como uma faca na alma”

Essa linha sintetiza o peso da mensagem. A negligência, muitas vezes menos visível que a violência direta, também mata. Mata aos poucos, silenciosamente, até o corpo ceder. Little Susie retrata essa morte invisível, comum e ignorada — e transforma a canção em uma denúncia social.

A voz que ecoa além da letra

Like she’s never done before” — esse verso pode ser lido como um aviso. Susie não só cantava, ela pedia socorro. E ninguém ouviu. A música retrata uma sociedade que falha em enxergar o sofrimento daqueles que estão à margem, especialmente mulheres, crianças, pobres, esquecidos.

A “melodia” de Susie não representa arte, mas tentativa de existir. De ser notada. Ela canta demais, por tempo demais, e mesmo assim ninguém a escuta. Jackson transforma sua voz em símbolo de vozes que sempre foram silenciadas.

Pie Jesu: o último suspiro

Na segunda parte da faixa, ouvimos o trecho clássico Pie Jesu, de Andrew Lloyd Webber, cantado por uma voz infantil. A escolha não é por acaso: é o réquiem que Susie nunca teve. Mas o contraste entre a doçura da melodia e a brutalidade da narrativa anterior reforça ainda mais a dor do esquecimento.

A ausência de redenção

Diferente de outras obras de Jackson, Little Susie não oferece final feliz. Não há salvação, justiça restaurativa ou catarse emocional. A morte permanece impune. A narrativa se fecha em si, deixando o ouvinte com o peso da indiferença. É um silêncio proposital — símbolo daquilo que a sociedade se recusa a ouvir.

Um espelho incômodo

Little Susie é, talvez, a canção mais ousada de Michael Jackson. E também uma das mais ignoradas. Sua complexidade estrutural, sombria e desoladora, desafia a ideia de música como entretenimento. Aqui, arte é denúncia. E a denúncia é clara: crianças como Susie existem — e continuam morrendo em silêncio.

Ficha técnica:

Lançamento: 20 de junho de 1995
Composição e produção: Michael Jackson
Álbum: HIStory: Past, Present and Future – Book I
Duração: 6:15
Estúdios: Hayvenhurst, The Hit Factory, Record One


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