Quando se pensa em Michael Jackson, o que normalmente vem à mente são luzes ofuscantes, coreografias impossíveis e uma aura quase mítica. Mas para o lendário guitarrista de estúdio Tim Pierce, a lembrança mais marcante de Michael é bem diferente — e surpreendentemente simples.
Pierce, cujo currículo é um dos mais respeitados da indústria musical, já gravou em mais de mil álbuns, com nomes que vão de Roger Waters a Whitney Houston. Seu talento camaleônico moldou sucessos icônicos em diversos gêneros, tornando-o uma presença invisível, porém essencial, na história da música pop.
Entre os muitos artistas que requisitaram seus serviços, estava Michael Jackson. Pierce participou de dois álbuns fundamentais da carreira do Rei do Pop: Dangerous (1991) e HIStory: Past, Present and Future, Book I (1995). Em ambos, sua guitarra ajudou a criar texturas e impulsionar canções que desafiaram os limites do pop tradicional.
Em entrevista à Guitar World, Pierce relembrou como foi convidado para o projeto por Bill Bottrell, produtor e colaborador próximo de Jackson. “Bill me chamou para o estúdio”, contou. “Eu esperava algo estranho, por causa da fama de Michael, mas não foi nada disso. Ele era muito normal.”
Essa “normalidade” ficou evidente logo na chegada de Michael ao estúdio. “Ele entrou usando suéter, jeans e mocassim. Olhou direto nos meus olhos e parecia muito à vontade”, disse Pierce. Mas o que mais o surpreendeu foi o interesse genuíno de Michael por… pedais de guitarra. “Ele ficou fascinado pelo meu pedalboard”, relembra, rindo.
Apesar da fama de perfeccionista, Jackson era um colaborador tranquilo, segundo Pierce. “Ele se sentia seguro. Era só eu, Bill, o assistente e Michael. Um ambiente calmo”, disse. “Meu trabalho era tratá-lo como igual. Sem idolatria, sem bajulação. Eu fazia o meu som, ele fazia o dele. Simples assim.”
Pierce contribuiu com linhas de guitarra que ajudaram a moldar a sonoridade mais agressiva e ousada da fase Dangerous e HIStory. De riffs pesados a texturas atmosféricas, seu trabalho é parte essencial do som que marcou essa era de reinvenção para Michael Jackson.
Mas além da técnica e da música, o que ficou na memória do guitarrista foi a humanidade despretensiosa do ícone global. Longe dos palcos e câmeras, Michael era apenas mais um artista no estúdio — curioso, concentrado e apaixonado pelo processo criativo.
Na faixa “Black or White”, por exemplo, Pierce entregou riffs rítmicos que deram força ao refrão e impulsionaram a mistura de rock com pop. Seu toque adicionou energia sem comprometer a fluidez da melodia — uma contribuição vital para o sucesso do hit.
Em “In the Closet”, ele usou preenchimentos discretos e texturas suaves que acentuam o clima sensual e misterioso da faixa. Um trabalho refinado que se encaixa perfeitamente na produção sem roubar a cena.
Já em “Scream”, o poderoso dueto com Janet Jackson, Pierce adicionou riffs distorcidos que capturam o espírito revoltado da música. Em “Tabloid Junkie”, suas guitarras cruas e agressivas amplificam a crítica feroz de Michael à mídia sensacionalista.
Tim Pierce viu de perto o que muitos não viram: o Michael Jackson longe da fama e do espetáculo. No silêncio do estúdio, o rei era apenas mais um apaixonado por música, obcecado por sons, cabos e pedais — e talvez, justamente aí, residisse o verdadeiro gênio.
