Por: Brad Sundberg, diretor técnico de Michael Jackson por 18 anos
”Um coquetel de camarão nunca foi algo comum para mim. Na verdade, sempre considerei isso uma extravagância. Não passei fome na infância, mas cresci numa família que sabia o valor de cada centavo. Talvez por isso aquele dia no verão de 1987 tenha ficado tão gravado na minha memória.
Na época, eu estava totalmente mergulhado nas gravações do álbum Bad, no estúdio Westlake D. O ritmo era insano. Trabalhávamos em faixas como “Man In The Mirror”, com o incrível coral de Andre, “Dirty Diana”, impulsionada pela guitarra de Steve Stevens, e “Liberian Girl”, que ganhava vida com os vocais de fundo inconfundíveis de Michael.
Era um turbilhão criativo liderado por Bruce Swedien, que gravava e mixava com a maestria de sempre. Quincy Jones extraía o melhor de cada músico. Rod Temperton estava lá também, oferecendo insights musicais valiosos. E como se não bastasse, Stevie Wonder apareceu para gravar em Just Good Friends. Jimmy Smith, uma lenda viva no órgão Hammond, contribuiu para a faixa Bad, e os metais da Seawind Horns davam o toque final. Era como ver uma constelação em ação.
No meio dessa tempestade de genialidade, fui chamado para levar as mixagens finais para uma audição exclusiva no Beverly Hills Hotel. Executivos da CBS e Sony do mundo todo estariam lá. Todos sedentos para ouvir o sucessor de Thriller. A responsabilidade era enorme.
Cheguei cedo com o equipamento completo: um sistema de reprodução robusto, incluindo a fita digital Mitsubishi X-80 e cópias das fitas-mestre. Montei tudo com ajuda dos técnicos do Westlake, calibrei o som com perfeição. Fiz os testes. Respirei fundo. Estava tudo pronto para o grande momento.
Quando as portas se fecharam, os executivos se sentaram e apertei o “play”. O som explodiu das caixas com uma potência limpa e emocionante. E então, com a música rolando, fiz o que qualquer engenheiro de som jovem e empolgado faria: fui até a mesa e me servi de um dos melhores coquetéis de camarão que já comi na vida.
Faziam apenas três anos que eu tinha chegado em Los Angeles, vindo de uma cidadezinha no centro da Califórnia. Era o fim do verão de 1984 quando me instalei em um pequeno apartamento na Lankershim Blvd, em North Hollywood. Sozinho, assustado, e cheio de dúvidas sobre o futuro.
O lugar era estranho. Uma vez, um vizinho usou o elevador como banheiro. Teve um dia que precisei caminhar até um 7-Eleven só para ligar de um orelhão para minha então namorada, hoje minha esposa, Debbie. Eu chorava de saudade. Queria voltar. Mas ela me deu um empurrão com as palavras certas: “Aguenta firme. Não desiste do teu sonho.”
Voltei para casa naquele dia com um pouco mais de esperança. Com a certeza de que, por mais difícil que fosse, eu estava no caminho certo. Tinha começado a estudar gravação de áudio, e aquela escola foi uma luz no meio da incerteza.
Três anos depois, lá estava eu comendo camarões gigantes em um hotel de luxo, ouvindo as reações ao álbum mais esperado do ano. Eu não era rico. Não era o astro da festa. Mas eu tinha ajudado a fazer aquele som existir. E isso era grande.
Michael, Bruce, Quincy, Rod… todos eles me deram algo que mudou minha vida: confiança. Eles viam em mim algo que eu nem sempre via. Um garoto que aparecia no horário, que dizia “sim, eu aprendo”, e que não fingia saber mais do que sabia.
Michael, em especial, transformou a minha trajetória. Trabalhar ao lado dele virou uma amizade de vinte anos. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse ouvido Debbie naquele dia. Ou se não tivesse topado limpar banheiro e buscar hambúrguer para aprender como se enrola um cabo de microfone.
Parece absurdo, mas é real: de um elevador malcheiroso para um salão de festas em Beverly Hills. De um garoto perdido para alguém que trabalhava com os melhores do mundo.
Dias atrás, sentei para almoçar no Arby’s. Nada de camarão gigante. Só um sanduíche simples. Mas assim que me acomodei, o alto-falante de oito dólares no teto começou a tocar. A bateria inconfundível de “The Way You Make Me Feel” me pegou de surpresa.
Sorri. Olhei ao redor e me perguntei se alguém ali fazia ideia de que eu estava presente em cada segundo da gravação daquela música. Provavelmente não. Mas isso não importa. Eu sabia. E fiquei em paz com meu sanduíche e minhas lembranças.
Penso muito em Michael. Às vezes ouço sua risada. Sinto seus abraços.
Dois dias completamente diferentes.
Uma imensa e eterna gratidão.