"Off The Wall": Quando Michael Jackson assumiu o volante | MJ Beats
American Music Awards 1980 – Michael Jackson (centro) recebe o prêmio de Álbum Soul/R&B Favorito por Off the Wall, ao lado dos apresentadores Leif Garrett (esq.) e Chuck Berry. Exibido em 18 de janeiro de 1980.

“Off The Wall”: Quando Michael Jackson assumiu o volante

Em 1979, Michael Jackson já não era mais o “garoto prodígio” da Motown. Tinha 21 anos, cinco álbuns solo no currículo e uma carreira nos Jackson 5 marcada tanto por vitórias quanto por limitações criativas. Na Motown, ele não podia compor livremente; na Epic, o contrato recém-assinado ainda não garantia autonomia total. Para complicar, seu pai e empresário, Joseph Jackson, só aceitou que Michael gravasse um disco solo se isso não atrapalhasse o grupo familiar — uma cláusula não escrita, mas reiterada em conversas e olhares de bastidor.

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A faísca veio em 1978, no set de The Wiz. Michael interpretava o Espantalho e ali conheceu Quincy Jones, responsável pela trilha. Quincy percebeu que aquele jovem cantor não era apenas uma voz: tinha ideias melódicas, domínio rítmico e um ouvido minucioso para arranjos. Michael, por sua vez, encontrou alguém que não o tratava como produto embalado, mas como criador.

Quando decidiu gravar Off the Wall, Michael não queria apenas cantar — queria escrever. Chegou com “Don’t Stop ’Til You Get Enough” e “Working Day and Night” prontas, ambas pulsando com sua assinatura. Só que convencer a Epic não foi simples: executivos temiam que um álbum tão impregnado de disco e funk pudesse datar rápido demais, já que a “disco backlash” começava a despontar. Michael e Quincy insistiram. Acordaram que o disco teria diversidade suficiente para não ser refém de um gênero.

Os primeiros dias de gravação também tiveram faíscas criativas. Quincy, vindo do jazz e acostumado a músicos experientes, estranhou a insistência de Michael em gravar vocais inteiros de uma só vez, para preservar a emoção da performance. Michael, por sua vez, rejeitou alguns arranjos que julgava “limpos demais”, pedindo mais percussão e peso de baixo — queria que soasse vivo, quase cru, mesmo sob a sofisticação.

E havia tensão no ar: o intervalo de quatro anos desde seu último disco solo (Forever, Michael, 1975) pesava. O álbum anterior havia parado no modesto nº 101 das paradas americanas. Se Off the Wall fracassasse, poderia ser visto como o último ato de uma carreira solo antes mesmo dela começar.

O resultado? Mais de 20 milhões de cópias vendidas, quatro singles no top 10 da Billboard — um feito inédito para um artista solo — e, mais importante, a consagração de Michael como autor. “Get on the Floor”, coescrita com Louis Johnson, mostrava seu entendimento cirúrgico do groove; “She’s Out of My Life” revelava vulnerabilidade quase dolorosa; e as faixas de Rod Temperton e Stevie Wonder eram interpretadas com uma apropriação tão intensa que soavam suas.

Quincy canalizou, lapidou, organizou. Mas quem guiava era Michael. Off the Wall não nasceu num terreno neutro: foi forjado na pressão familiar, na cautela do mercado e nas fricções de estúdio. É, portanto, mais que um álbum de festa: é um manifesto de autonomia gravado em vinil.

No fim, Off the Wall não é apenas o registro de um artista atingindo seu auge criativo — é um ato político. Em 1979, um jovem negro, saído de uma boy band e com histórico infantil, rompeu expectativas raciais e comerciais ao exigir controle sobre seu som, compor seus próprios hits e impor sua visão estética a um grande selo. Fez isso num mercado que ainda confinava artistas negros a nichos e formatos pré-definidos. Michael não pediu licença; ele entrou no salão principal, vestido de smoking na capa, e disse que a pista de dança era dele. Ao transformar a própria liberdade em produto de massa sem diluí-la, Michael não só reinventou a si mesmo — abriu caminho para que outros artistas ousassem fazer o mesmo. Off the Wall é, nesse sentido, uma obra de celebração, mas também de insubordinação calculada.