Por João Marcello Bôscoli;
Originalmente publicado na coluna “Amém”, Edcyhis (Março de 2003);
Republicação adaptada pela MJ Beats.
Quem conseguir olhar para Michael Jackson livre de conceitos e preconceitos dificilmente não reconhecerá a genialidade de sua obra.
Por que ele é um dos artistas mais importantes da contemporaneidade?
Em uma era dominada pelo descartável, o que o torna tão fascinante e duradouro?
Em um mundo repleto de talentos, por que justo ele é Michael Jackson?
A resposta talvez esteja em três elementos:
talento, dedicação e brilho.
Michael é um mito nascido da música — e nunca rompeu esse vínculo.
Por ela, afastou-se do convencional, mergulhando em um relacionamento intenso e visceral com sua arte, onde obra, criador e criatura se fundem em um só ser.
Essa entidade artística desafia o tempo com uma longevidade raramente vista na cultura pop.
Seu verdadeiro “patrão” é o público — que há mais de 25 anos segue prestigiando seu trabalho.
Será que atacar um artista como Michael Jackson é mais interessante do que apreciar sua obra?
Duvido.
Ficar contando plásticas e explorando fofocas soa como conversa de vizinha desocupada.
É preciso romper com esse hábito de falar mal, de cultivar sarcasmo.
Qual é o ganho nisso? Quem se beneficia?
Interpretar Michael é, na verdade, observar nosso próprio tempo e a nós mesmos.
Abordar um mito contemporâneo apenas com ódio e intolerância é leviano.
A arte jamais será compreendida através do preconceito.
Ser aberto e generoso no almoço de domingo e racista na segunda-feira é tão falso quanto um político que promete tudo em campanha e depois vira as costas para os eleitores.
Onde ficam os princípios que se pregava?
Michael é um sobrevivente da indústria e da tecnologia, um cronista do seu tempo, dono de um vasto conhecimento.
Muitas transformações que nossa sociedade precisa podem estar refletidas em sua trajetória.
Por que justamente nele?
Porque ele é artista e, como todo grande artista, um pouco louco também.
Quem move o mundo? Quem move Michael Jackson?
Talvez seja, como disse o poeta: “A infelicidade, nata da expressão.”
Uma boa chave para entender a urgência comunicativa que existe nele.
Se Stevie Wonder transformou sua cegueira física em um dom, Michael carrega um “aleijo” de ordem espiritual: a infância e inocência que lhe foram roubadas precocemente.
Visualize uma criança alçada ao estrelato da noite para o dia e tente imaginar os efeitos disso em sua personalidade — e some a isso mais de 25 anos de vida como celebridade.
Comparar Michael Jackson a outro artista é perda de tempo.
Seu currículo, talento, contribuições históricas e longevidade falam por si.
Além disso, na arte não precisamos escolher “um ou outro”: é perfeitamente possível gostar de ambos.
Prince não precisa ser ruim para que Michael seja bom.
Aliás, medir valores e estabelecer rótulos na arte é perigoso — levada ao extremo, essa mentalidade gerou aberrações históricas, como o nazismo.
Sobre a obra
Em 1978, Michael estava em um impasse.
Vinha de uma carreira vitoriosa na Motown, tanto com o Jackson 5 quanto como solista.
Ao migrar para a CBS (hoje Sony), os Jacksons seguiram de forma estável, mas Michael queria muito mais para seu primeiro álbum solo na nova gravadora.
Muito mais.
Deveria continuar com um repertório infantilizado ou assumir a idade? Que som deveria adotar?
Foi Quincy Jones quem respondeu essas perguntas.
Juntos, criaram a trilogia que definiu a era de ouro de Michael:
Off the Wall, Thriller e Bad.
Off the Wall
Todo elogio é pouco.
Quincy, Michael e sua equipe criaram uma obra-prima que emociona até hoje.
Ouça “Don’t Stop ’Til You Get Enough” no volume máximo e, em seguida, “Rock With You” — é pura magia.
O clima, as batidas, os arranjos — tudo é impecável.
É o meu favorito.
Thriller
Muito já foi dito sobre o disco mais vendido da história, então vou compartilhar duas curiosidades:
- Quincy Jones pensava em incluir “Um Novo Tempo”, de Ivan Lins e Vitor Martins, como single com Michael.
Mas questões contratuais impediram o acordo.
O single acabou sendo “The Girl Is Mine”, com Paul McCartney.
- Insatisfeitos com a mixagem final, Michael e Quincy tentaram ganhar mais tempo da gravadora.
Diante da negativa, optaram por enviar o disco como estava.
O resultado? 55 milhões de cópias vendidas.
Bad
Superar Thriller seria quase impossível.
As expectativas e pressões eram imensas.
Michael e Quincy, já esgotados pelo sucesso avassalador e pelo projeto “We Are The World”, ainda assim entregaram um álbum marcante.
Embora eu considere que nove faixas compostas por Michael no mesmo disco sejam um pouco excessivas, quem teria coragem de dizer não a ele?
A tecnologia foi uma ferramenta-chave, refletindo o clima emocional do projeto.
O disco exala um certo “industrialismo emocional”, um retrato honesto daquele momento.
Destaques:
- O dueto com Stevie Wonder.
- O arranjo de “Man in the Mirror”.
- As similaridades entre “Bad” e “I Wish”, de Stevie.
- 27 milhões de cópias vendidas — segundo álbum mais vendido da história.
Dangerous
Com o fim da parceria com Quincy, Michael buscou uma nova sonoridade com Teddy Riley.
O projeto “The Sky Is The Limit” envolveu mais de 120 faixas gravadas e mixadas, a um custo de US$ 10 milhões.
O resultado: um disco ousado, fortemente rítmico, com batidas pulsantes.
Há um tom de raiva e indignação muito presente — um reflexo do momento pessoal de Michael e das tensões sociais da época.
Dangerous é um retrato sonoro das grandes metrópoles: plástico, concreto, motores, poluição.
Algumas associações interessantes:
- “Beat It” → “Dirty Diana” → “Give In To Me”.
- “Billie Jean” → “Who Is It”.
- “Remember the Time” → “Rock With You”.
- “We Are The World” → “Heal the World”.
Se um artista estreante lançasse Dangerous, seria aclamado como um novo gênio.
Infelizmente, no caso de Michael, muitos já vinham com preconceitos armados.
O próximo disco
Quando o presidente da Sony, Akio Morita, sugeriu que Michael desse entrevistas, buscava “humanizar” sua imagem.
O excesso de mistério e o bombardeio sensacionalista haviam contribuído para distorcer sua persona pública.
Michael sempre foi — e sempre será — Michael Jackson 24 horas por dia. Não há retorno possível a uma imagem “normal”.
Mas essa humanização pode beneficiar sua música.
Para o próximo disco, há esperança de um som mais vivo, com mais calor humano — algo na linha de Off the Wall.
Se até a indústria percebe essa necessidade, talvez estejamos às vésperas de mais uma reinvenção de Michael.
Fonte: Revista Capricho — setembro, 1992.
[*] Este texto foi adaptado para refletir os valores e diretrizes atuais, com o objetivo de preservar sua relevância e respeito ao público contemporâneo.