Por Andréa Luisa Bucchile Faggion;
Originalmente publicado na coluna “Amém”, Edcyhis (Julho de 2003);
Republicação adaptada pela MJ Beats.
Desde o início dos anos 1980, surgem inúmeras tentativas de explicar o fenômeno Michael Jackson.
Talvez mais surpreendente do que o interesse contínuo do público em geral por esse ícone pop, mesmo após décadas de exposição, seja a fidelidade da sua base de fãs — que se manteve forte mesmo após décadas de escândalos.
Hoje em dia, não é mais cool ser fã de Michael Jackson.
Ainda assim, aqui estamos. Por quê?
Nossa primeira inclinação seria responder com uma declaração de amor incondicional, exaltando as virtudes e habilidades de Michael.
Diríamos que continuaríamos a admirá-lo década após década, pois ele mereceria todo esse culto pelo talento extraordinário e sua conduta admirável.
Mas esse tipo de explicação parte primeiro de Michael — e só depois de nós.
E talvez o verdadeiro entendimento esteja no caminho oposto.
Em geral, por que existem ídolos?
Na adolescência, ocorre um desafio às figuras parentais.
A figura do pai-herói se desfaz, e surge a necessidade de uma nova referência — uma figura com a qual possamos nos identificar durante a formação da personalidade.
Isso se aplica a Michael?
Em certa medida, sim. Mas não explica totalmente.
A comunidade de fãs de Michael inclui muitos adultos — pessoas com 30, 40 anos (ou mais).
Já deixaram a adolescência para trás, e ainda assim continuam fiéis.
Michael não é apenas um ídolo teen. Sua base de fãs, se não maior, é certamente mais leal do que a de qualquer ídolo adolescente típico.
Então a pergunta permanece: por que Michael, e não outro?
Um fã de automobilismo pode idolatrar Ayrton Senna.
Um amante da MPB pode admirar Chico Buarque.
Nesses casos, esses ídolos representam ou se aproximam do ideal que essas pessoas valorizam em suas áreas de interesse.
É natural que alguns fãs colecionem macacões e capacetes de Senna, ou que nunca percam um show de Chico.
Mas dificilmente você verá, em qualquer outro fandom, uma comunidade tão organizada e tão obcecada quanto a de fãs de Michael Jackson.
Voltamos então à questão: isso acontece porque Michael seria mais especial que os outros ídolos?
Minha resposta é que, em um primeiro momento, a explicação está mais na própria comunidade do que em Michael em si.
Quem são essas pessoas que passam horas diárias em fóruns discutindo, literalmente, desde supostas conspirações da mídia contra Michael até o padrão das veias em seu corpo?
São pessoas de ambos os sexos, de diferentes idades, religiões, nacionalidades, classes sociais, e assim por diante.
O que as une em torno de Michael?
Basta olhar para o que essas pessoas construíram: um verdadeiro universo paralelo.
E é isso que elas buscam.
Não vou chamar esse universo de “mundo ilusório”.
Por mais que a participação nessa comunidade possa ser vista como uma forma de alienação diante dos problemas cotidianos, o fato é que ela existe — e é tão real quanto o mundo das contas a pagar, filas de banco, ou desemprego.
E é justamente como contraponto a esse mundo cotidiano que os fãs constroem o seu Planet Jackson.
Michael sempre teve consciência disso e usava um termo muito significativo para descrever sua missão no mundo: escapismo (xscape!).
Há quem busque escapismo através de drogas.
Há quem vá ao cinema.
Há quem vá ao estádio de futebol.
Todos estão, de certa forma, escapando.
Os fãs de Michael levaram isso a outro nível: construíram um universo paralelo completo, com seu próprio sistema de crenças e relações políticas internas, para poder esquecer — ao menos por algumas horas — quem são, onde vivem, com quem vivem, e por que vivem.
A próxima pergunta natural seria: por que Michael e não outro?
Resposta simples: porque tudo em Michael — sua aparência, seu trabalho, seus hábitos, seu comportamento, seu estilo de vida — se coloca à parte do mundo cotidiano.
Ele se torna, portanto, a base ideal para esse universo paralelo, justamente porque não nos lembra em nada a sociedade convencional da qual queremos escapar.
Isso não significa que os fãs sejam todos infelizes ou frustrados em suas vidas reais.
Significa apenas que, assim como qualquer ser humano, sentem que a vida cotidiana não basta.
Se não fosse assim, Hollywood e o mercado de drogas recreativas não seriam tão lucrativos.
Tampouco somos mais “doentes” que outros.
Há quem faça uso recreativo de drogas e leve uma vida perfeitamente funcional.
Da mesma forma, há quem mergulhe tão profundamente no Planet Jackson que se desconecte da realidade — mas isso é a exceção, não a regra.
Se você sabe dosar bem suas viagens a esse universo paralelo, relaxe e aproveite.
Você é normal (ou pelo menos tão normal quanto qualquer outra pessoa “louca” que o cerca).
[*] Este texto foi adaptado para refletir os valores e diretrizes atuais, com o objetivo de preservar sua relevância e respeito ao público contemporâneo.