Por Andréa Luisa Bucchile Faggion;
Originalmente publicado na coluna “Amém”, Edcyhis (Agosto de 2003);
Republicação adaptada pela MJ Beats.
Nunca saberemos o que teria sido de nossas vidas se certos acontecimentos não tivessem ocorrido.
E se eu não tivesse passado naquele vestibular?
E se eu não tivesse escolhido aquele curso?
E se eu não tivesse aceitado aquele emprego?
E se eu não tivesse ido àquela festa?
E se eu não tivesse feito aquela viagem?
Perguntas assim jamais serão respondidas — porque a vida não é um experimento de laboratório. Vive-se uma vez só.
Ainda assim, gostamos de especular:
E se Michael não tivesse tido vitiligo?
E se ele não tivesse sido acusado de abuso sexual?
E se…
Se nós, fãs, gostamos de pensar que Michael seria mais bem tratado pela mídia não fossem certos acontecimentos, a própria mídia também gosta de imaginar que ele seria mais “normal” se outros episódios não tivessem acontecido.
E se ele não tivesse sido espancado pelo pai?
E se ele não tivesse perdido a infância?
E se não tivesse vivido sempre no aquário da fama?
Mesmo que não possamos prever como seria a vida de Michael — ou sua imagem pública — se certos episódios fossem diferentes, podemos refletir:
Será que essa trajetória marcada por tanto drama é algo que deveríamos lamentar tanto?
O próprio Michael nos convida a pensar assim, quando pergunta se ele amaria tanto as crianças se tivesse tido uma infância comum.
Seguindo essa linha, podemos perguntar:
Será que ele teria tanta clareza sobre a irrelevância da cor da pele se não tivesse perdido a cor da própria?
Será que saberia que a identidade cultural de um povo é muito mais forte do que a aparência, se não tivesse tido que aprender que continua sendo negro mesmo com a pele despigmentada?
Será que teria desenvolvido tanto amor e compreensão pela humanidade se não tivesse sido tão julgado?
Será que seria tão carinhoso com os próprios filhos se não tivesse sofrido tanto nas mãos do pai?
Se lamentamos pela imagem de Michael — e, por vezes, por sua infelicidade — e desejamos que ele tivesse tido uma vida mais tranquila, talvez também devêssemos refletir:
Não foi justamente a dor que esculpiu o Michael que tanto amamos?
O sofrimento é artífice da alma:
- se destrói o fraco, fortalece o ânimo do forte;
- se amarga o tolo, abranda o coração do sábio.
O sofrimento pode ter sido um presente que Michael recebeu — da natureza ou de um ser superior? — e do qual ele soube fazer um uso tão belo quanto de seus talentos.
Que possamos aprender com ele — e chorar menos.
[*] Este texto foi adaptado para refletir os valores e diretrizes atuais, com o objetivo de preservar sua relevância e respeito ao público contemporâneo.