A Lenda dos Renascentistas | MJ Beats
Michael Jackson retratado em estilo renascentista, com vestes da época em um ambiente de castelo medieval.

A Lenda dos Renascentistas

Por Andréa Luisa Bucchile Faggion;
Originalmente publicado na coluna “Amém”, Edcyhis (Junho de 2004);
Republicação adaptada pela MJ Beats.


Era uma vez, uma época e um lugar em que aqueles com o poder de decidir sobre vida e morte, liberdade e privação, também se julgavam no direito de determinar como viveríamos nossas vidas — até mesmo dentro de nossas casas, com as cortinas cerradas.

Pequenas cabeças adornadas com coroas se proclamavam enviados de Deus, com linha direta com Ele para esclarecer eventuais dúvidas — naturalmente.


Contavam que a palavra Dele, com tudo que podemos ou não fazer neste mundo, havia sido ditada a uns poucos escolhidos, que então a encerraram em um livro Eterno e Sagrado.

Este livro só poderia ser devidamente compreendido por outros poucos — novamente inspirados por Ele.

Mas esses “poucos” também estavam, claro, a serviço daqueles com coroas — um pequeno detalhe convenientemente omitido…


Para “nos proteger” de perder a alma, esses senhores zelosos proibiam a leitura de qualquer obra que pudesse desafiar sua versão da verdade.

Era proibido compreender por si mesmo — ou, pior ainda, duvidar que aquelas fossem mesmo palavras divinas, e não meras palavras humanas, demasiado humanas.


Quando a ameaça à ordem era grande demais, preferiam lançar os “hereges” em fogueiras terrenas.

Para os “sortudos”, restava o banimento social — acompanhado de um eficaz aparato de propaganda que fazia o povo odiar quem ousasse questionar.


E se um povo inteiro recusasse a submissão?

Ora, sempre havia um meio — por bem ou por mal — de “levar a graça” até eles.

Afinal, submeter-se à palavra Dele era, coincidentemente, submeter-se a eles.

Outro pequeno detalhe…


Mas então, naquela época, muitos começaram a perceber que o fogo humano não assustava tanto, e que talvez reinar no inferno não fosse tão ruim quanto servir no paraíso imposto por outros.


Esses homens “perigosos” possuíam talentos diversos.

Havia pintores que também estudavam medicina e criavam maravilhas arquitetônicas.

Não aceitavam palavras humanas como verdades eternas — buscavam inspiração nos pensadores que vieram antes, em tempos anteriores até à palavra escrita.

Eram os Renascentistas.


Assim, pouco a pouco, as coroas precisaram abdicar do controle sobre a palavra — quando não do próprio trono.

Cada pessoa conquistou o direito de escolher o que acreditar.

Por um tempo…


Mas um dia, homens sem coroas — pois o poder já não vinha mais do ornamento — voltaram a se declarar enviados e defensores da verdade.

Mais uma vez, quiseram nos dizer o que é certo ou errado — até sobre o que fazemos entre quatro paredes.


Agora, os hereges não são mais “possuídos pelo demônio”.

Os “leitores modernos” do livro eterno se atualizaram: somos apenas doentes mentais.

Nosso bem-estar, dizem, agora também inclui a obrigação de nos proteger contra nós mesmos.

Se for preciso nos destruir para isso… que assim seja.


E então, em um tempo e lugar muito próximos, um homem ousou acreditar que a palavra de Deus não precisa passar por eles.

Inspirado nos Renascentistas, ele enfrenta novamente o fogo — inventado pelos que, em todas as épocas, se proclamam donos da verdade.


E essa é a lenda dos Renascentistas:

Sempre queimando no fogo demasiado humano daqueles que se acham portadores da centelha divina.


E serão felizes esses heróis?

Ah… esta não é uma história sobre felicidade.


“Em todo desejo de conhecimento existe mesmo uma gota de crueldade.”
Nietzsche


[*] Este texto foi adaptado para refletir os valores e diretrizes atuais, com o objetivo de preservar sua relevância e respeito ao público contemporâneo.