O ano era 1982, e nas paredes impecáveis do Estúdio A da Westlake, em Beverly Boulevard, algo extraordinário estava prestes a nascer. Bruce Swedien, engenheiro de som com uma sensibilidade quase mística para as texturas do áudio, se preparava para capturar o que viria a ser um dos momentos mais marcantes da música pop. Ao lado de Michael Jackson, Quincy Jones e Rod Temperton a missão era uma só: criar algo eterno. A canção? “Billie Jean”. O desafio? Dar a ela uma “personalidade sônica” inconfundível — uma que pudesse ser reconhecida nos primeiros segundos de bateria.

Swedien não deixaria nada ao acaso. Com precisão cirúrgica, posicionou o set de bateria de N’Dugu Chancler sobre uma plataforma de madeira feita especialmente para captar vibrações limpas e potentes. E ainda havia sua invenção quase artesanal: uma capa especial para o bumbo, com zíper sob medida, para abraçar o microfone com perfeição. Era um ritual técnico, mas acima de tudo, um ato de reverência ao som. Cada batida era tratada como uma pincelada em uma tela invisível.

Com o gravador portátil de 12 canais de George Massenburg e fitas analógicas de 16 canais, sem redutores de ruído, Bruce registrava cada nota com a alma. A guitarra, o baixo e a bateria formavam a espinha dorsal daquela que se tornaria a batida mais identificável da história da música. Ele chamava isso de “personalidade sônica” — e com razão: quem ouve “Billie Jean” sabe instantaneamente do que se trata. É mais do que som. É identidade.

Quando chegou a hora da mixagem, Bruce se isolou no estúdio como um alquimista, transformando matéria bruta em ouro líquido. O primeiro mix estava excelente. O segundo? Sublime. Foi este que ele apresentou a Michael, Quincy e Rod. A reação foi unânime: sorrisos, dança e euforia. Mas Michael, com seu ouvido apurado e instinto sobrenatural, aproximou-se de Bruce e sussurrou: “Está perfeito… só mais um pouquinho de baixo, por favor.” Bruce sorriu. A busca pela perfeição havia começado.

Quincy entrou na brincadeira com seu toque especial: “Acrescenta um pouco de alho com sal no começo…” Era sua forma de pedir mais tempero, mais alma. E assim, mix após mix, Bruce avançava. Dias viraram noites. Semanas passaram. Ao todo, foram 91 versões de “Billie Jean”. Fitas de 1/2 polegada se empilhavam até o teto. A cada nova escuta, surgia uma dúvida, uma nuance, uma pequena mudança. Eles estavam atrás da perfeição — e estavam chegando lá.

Até que Quincy, com um olhar maroto, propôs: “… vamos ouvir o mix número 2?” Bruce gelou. Sabia que havia algo mágico ali. Quando o play foi apertado, a sala explodiu de alegria. Dança, aplausos, olhares de surpresa. Era aquele o mix. O segundo. Simples assim. A jornada épica de 91 versões levou todos de volta ao ponto inicial. Àquela essência pura e arrebatadora que eles já haviam alcançado logo no começo, mas não sabiam.

Foi este o mix que rodou o mundo no disco Thriller, lançado pela Epic Records em 30 de novembro de 1982. E também no single que viria a dominar o planeta. Aquele mix número 2, polido por instinto, guiado por emoção e selado por um sussurro de Michael, se tornaria uma das gravações mais icônicas da história. Billie Jean não era só uma canção. Era um universo sonoro em perfeita harmonia — o retrato fiel da obsessão pela excelência.

Não é exagero dizer que “Billie Jean” redefiniu o que é possível dentro de um estúdio de gravação. Por trás do brilho de Michael Jackson, havia a mão invisível de Bruce Swedien, esculpindo som como se esculpe mármore. E naquele instante eterno, com o segundo mix no ar, a música pop ganhou um de seus maiores tesouros.

2 Comments

  1. Me permito dizer que Billie Jean é a canção mais pop do álbum Thriller, tanto que foi dela que Michael criou o passo Moonwalk, nos 25 do selo Motown, em 1983. Essa canção é o “prato principal ” do disco, as outras faixas eram o cartão de visitas. Billie Jean trouxe novas tendências para outros artistas e novos conceitos para produtores. A mixagem é interessante, começa “fatiada” e vao se juntando harmonicamente, o baixo guiando todo o arranjo. Parabéns Quincy Jones, parabéns Michael Jackson . “Hee Hee!”.

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