O ano era 1996. O Brasil parava para ver Michael Jackson caminhar entre o povo, cantar nas vielas, dançar sobre as lajes. Em meio ao calor do Rio de Janeiro e à energia efervescente de Salvador, uma figura se destacava entre câmeras e seguranças: Glória Maria. Designada para cobrir a passagem do Rei do Pop para o “Fantástico”, a jornalista não imaginava que viveria um dos encontros mais marcantes de sua carreira — e da cultura pop brasileira.

Naquele cenário improvisado do Morro Dona Marta, com o batuque da percussão ecoando no ar e a curiosidade da comunidade em festa, Glória descrevia um Michael diferente daquele que o mundo via nos tabloides. “Simples, simpático, paciente”, ela dizia, em contraste com a imagem de um astro exigente e recluso. Ali, entre becos e telhados, surgia um Michael Jackson real, humano, quase tímido — e profundamente curioso sobre a alma brasileira.

Apesar das câmeras do programa não registrarem uma entrevista formal, Glória viveu um momento único. Foi Michael quem a abordou, quem se interessou por sua história. No Pelourinho, ele a viu sendo acolhida pelo povo e decidiu: “vamos conversar no Rio”. E assim, no improviso do destino, nasceu um diálogo raro — sem script, sem estrelismo. Era o ídolo global querendo entender o Brasil pelos olhos de uma mulher negra que venceu preconceitos.

“Ele me entrevistou”, disse Glória anos depois, ao recordar o momento. Foram vinte minutos de conversa onde o astro perguntava, ouvia, absorvia. Queria saber das raízes de Glória, da luta contra o racismo, das cicatrizes sociais do Brasil. E foi ali, entre uma resposta e outra, que o mito ganhou carne e osso: um homem franzino, coberto por uma pele tão fina que deixava à mostra as marcas do vitiligo. Um corpo marcado por dores físicas e simbólicas.

Para Glória, que tocou o braço de Michael com cuidado e reverência, caiu por terra a narrativa sensacionalista do “embranquecimento proposital”. “Senti vergonha por ter acreditado em algo tão raso”, confessou. Naquele instante íntimo, entre jornalistas e dançarinos, entre câmeras e abraços, ela enxergou um homem cansado de ser mal interpretado. Um homem que, no fundo, só queria ser compreendido.

O ápice veio sem roteiro. Ao final da gravação, enquanto Glória encerrava sua matéria com palavras de surpresa e encanto, Michael a olhava em silêncio — “com cara de bobo”, ela brincou. Foi então que ele a puxou num gesto espontâneo, disse “I love you, Brazil”. Um beijo, um gesto de entrega. O homem por trás do ícone, presente e afetuoso.

Glória saiu transformada. Com seu olhar afiado de repórter e sua sensibilidade rara, ela decifrou o que tantos não conseguiam: Michael Jackson não era só o artista extravagante, mas alguém ferido por dentro, movido pela empatia e fascinado pela alma popular. “Ele era frágil, sem frescura, sem nojo de gente”, disse. E talvez ninguém tenha traduzido melhor o Michael do Brasil do que Glória Maria.

Essa história, feita de minutos e memórias, permanece como uma joia do jornalismo e da cultura. Um encontro improvável, que revelou o coração de um astro e o brilho de uma jornalista inesquecível.

2 Comments

  1. Momento unoco e memorável, o encontro entre o maior showman do planeta e a jornalista mais sensível do Brasil. Naquele verão de 1996, quando se anunciou que o clipe “They don’t care about us” , foi uma verdadeira catarse, como se um meteoro passasse pelas terras brasileiras., e ninguém melhor que Gloria Maria para captar o momento uma vez que ambos tiveram historias parecidas: vieram da pobreza, a questão racial, a superação de limites e a chegada ao sucesso. Foi como um encontro de almas, um se identificando com o outro. Michael se sentiu um pouco brasileiro. É como se fossem velhos conhecidos. Saudades do Michael e saudades da Glória.

  2. Quanto mais ouço sobre Michael…tantos depoimentos incríveis como esse da nossa querida Glória! Mais o meu amor se fortalece…só aumenta com o passar dos anos…minha admiração e meu respeito. Michael Jackson amor eterno!

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