Neverland: Explorando o Império Perdido de Michael Jackson
No dia 18 de novembro de 2003, o mundo assistiu atônito a um capítulo sombrio na vida de Michael Jackson. Em uma ação coordenada, mais de 70 policiais invadiram o rancho Neverland, na Califórnia, como parte de uma investigação de suposto abuso sexual infantil.
A residência de mais de 3 mil acres, um refúgio particular construído como uma terra dos sonhos, teve cada canto revirado pelas autoridades. Jackson, profundamente abalado, afirmou sentir-se violado e nunca mais retornou ao local. Em 2006, Neverland entrou em processo de execução hipotecária.
Três anos depois, o silêncio reinava. O que antes era um parque de diversões privado e um símbolo de fantasia havia se tornado ruínas. Foi nesse cenário que três fotógrafos, movidos pela curiosidade e pelo impulso de documentar o que restava, decidiram se infiltrar na propriedade entre dezembro de 2007 e março de 2008. Para manter o anonimato, adotaram os nomes dos personagens das Tartarugas Ninja: Leonardo, Raphael e Donatello.
Segundo Leonardo, a motivação veio de uma certeza: Jackson estava fora do país, o rancho parecia abandonado e era uma chance única de registrar um espaço que logo desapareceria do mapa. Em um dos acessos, o vento ajudou a abafar os sons e tornar a entrada imperceptível aos poucos seguranças.
O que eles encontraram ultrapassou qualquer expectativa. Raphael relatou que uma das imagens mais marcantes era um menino de pijamas sentado sobre a lua, estampado em brinquedos, murais e até no chão – uma figura que lembrava o logotipo da DreamWorks. Era um símbolo do mundo infantil que Jackson buscava preservar e proteger, mesmo em meio à realidade dura da vida adulta.

Mas a fantasia se misturava com os vestígios da realidade. Havia garrafas da Pepsi com o rosto de Jackson, cartas de fãs acumuladas em caixas, objetos decorativos e até uma caricatura de Tommy Monttola (ex- CEO da Sony Music) com chifres de diabo. Na “Cantina das Crianças”, o cardápio fixo incluía pratos como sanduíche de pasta de amendoim e macarrão com queijo, reforçando a atmosfera lúdica e nostálgica.

Dentro da mansão, o cenário era ainda mais peculiar. Estátuas romanas, brinquedos em tamanho real e retratos gigantes de Jackson cobriam as paredes. Em um gesto impulsivo, um dos fotógrafos bebeu um refrigerante de uva encontrado na despensa, e depois limpou a garrafa para não deixar rastros.
Donatello revelou um sentimento contraditório: fascínio e desconforto. Sabia que estavam dentro de um espaço íntimo e que, apesar de deserto, ainda carregava a presença de quem o habitou. “Não era um parque qualquer. Era o lar de um homem que o mundo inteiro conhecia – e julgava”, disse. Era uma sensação constante de estarem violando uma memória ainda viva.
Apesar disso, exploraram quase tudo: mansão, salas de jogos, miniestação de trem, estátuas e brinquedos. Não conseguiram acessar o zoológico, mas notaram que os quartos das crianças estavam trancados por fora – um detalhe que despertou muitas reflexões. A sala de jogos, por sua vez, parecia um acervo de sonhos: consoles antigos, bonecos gigantes de Lego e relíquias da infância moderna.

Leonardo explicou que o medo nunca foi o sentimento dominante. O estranho era o contraste: referências infantis espalhadas por um lar de adulto. “Era como estar em um museu secreto, criado por alguém que tentou fugir da dor criando um mundo próprio”, disse Raphael. E, de certo modo, Neverland era isso: uma fortaleza de fantasia construída para manter a realidade do lado de fora.
Ao final, não se tratou apenas de uma invasão, mas de uma visita inesperada a um universo que havia deixado de existir.
Os fotógrafos captaram os últimos sussurros de um sonho que desmoronava, ecoando entre bonecos esquecidos, retratos dourados e cartas que nunca tiveram resposta. Neverland, mesmo vazia, ainda falava de Michael Jackson – e da solidão que sempre o acompanhou.
Em 2020, o rancho foi finalmente vendido para Ron Burkle, um antigo amigo e consultor de negócios de Jackson, que o adquiriu por uma fração de seu valor original. O lugar passou a se chamar Sycamore Valley Ranch, e recentemente voltou aos holofotes por um motivo especial: algumas cenas da cinebiografia oficial do Rei do Pop foram filmadas lá, trazendo de volta, ainda que por instantes, a essência mágica de um lugar que jamais será esquecido.
por MJ Beats, com base na reportagem “Four Photographers Sneaked into and Explored Michael Jackson’s Neverland Ranch”, publicada pela VIBE em julho de 2014.