Michael Jackson não era apenas um gênio do entretenimento. Ele era um artista que não fugia de assuntos difíceis, mesmo quando isso significava pisar em terreno sensível. Um exemplo raro e pouco conhecido disso é a canção “Abortion Papers”, gravada durante as sessões do álbum Bad, mas mantida em sigilo por 25 anos. Nela, Jackson se aprofunda no dilema emocional de uma jovem que considera um aborto — um tema cercado de moral, religião e dor pessoal.
Diferente de discursos políticos ou julgamentos fáceis, Jackson optou por contar uma história humana. Em vez de apontar o dedo, ele retratou a confusão e o sofrimento de uma personagem dividida entre a fé e as circunstâncias. Em suas próprias anotações, o cantor deixou claro que queria abordar o tema com empatia: “Tem que ser feito com cuidado… Eu realmente tenho que pensar sobre isso.”
A música permaneceu engavetada por décadas, só sendo lançada em 2012, na edição especial Bad 25. O produtor Matt Forger revelou que o time de Jackson sabia que a faixa poderia ser polêmica, mas Michael queria provocar reflexão — não confronto. Por isso, ele foi cuidadoso: construiu uma narrativa emocional, íntima e sem respostas fáceis. É esse equilíbrio que torna Abortion Papers tão relevante hoje quanto seria na época.
Outros artistas também tocaram no tema do aborto, como Madonna, Sinead O’Connor e Lauryn Hill. Mas a diferença está na forma como Jackson estruturou sua mensagem: com humanidade e compaixão. Ele não tomou partido. Ele ofereceu uma lente emocional, que permite ao ouvinte sentir, pensar e interpretar. Em tempos de extremos, sua escolha pela sensibilidade diz muito sobre quem ele era como artista.
Se arte serve para despertar empatia e questionamento, Abortion Papers cumpre esse papel com coragem. Jackson nos lembra que grandes artistas não apenas entretêm — eles enfrentam verdades difíceis. Mesmo quando não estão sob os holofotes. Talvez por isso sua obra continue sendo tão necessária: ela nos convida a pensar antes de julgar e a ouvir antes de apontar. E isso, em qualquer tempo, é revolucionário.
