Quando Michael Jackson enfrentou acusações públicas pela primeira vez de alegações de má conduta sexual, em 1993, ele não quis se esconder. Pelo contrário: queria ser investigado, julgado e inocentado em público. O que o impediu? Uma decisão corporativa imposta por sua seguradora, que enxergava o escândalo como uma ameaça bilionária à sua turnê mundial.
Na época, não havia acusação criminal formal. A família Chandler abriu um processo civil e, antes mesmo de qualquer julgamento, a seguradora envolvida nos contratos da Dangerous World Tour determinou:
“Isso não é mais sua escolha, Sr. Jackson. Vamos pagar para acabar com isso.”
O valor — aproximadamente US$ 23 milhões — foi transferido sem admissão de culpa. Michael nunca pagou diretamente, mas também nunca teve a chance de se defender num tribunal criminal, já que os Chandlers, após o acordo, se recusaram a continuar cooperando com a promotoria, o que encerrou o inquérito.
“Insurance? Where do your loyalties lie?”
Dois anos depois, Michael Jackson lançou o álbum HIStory. Entre os desabafos ali registrados, a faixa “Money” é um dos mais explícitos — e mais pessoais.
“Insurance? Where do your loyalties lie? Is that your alibi? I don’t think so.”
Essa não é uma metáfora abstrata. Jackson está falando, de forma direta, da seguradora que o silenciou. “Money” é seu protesto contra a lógica do mercado que o calou.
“You’ll do anything for money… even sell my soul to the devil.”
A canção retrata a frustração de ter sido traído por quem deveria defendê-lo. A crítica é certeira: gente sorridente que apunhala por trás, tudo por dinheiro. Ele se sentiu sozinho. E traído.
Um caso que mudou a lei
O escândalo e o acordo de 1993 provocaram efeitos duradouros. Tão duradouros que, em 2003, a Califórnia alterou a legislação sobre alegações de má conduta sexual de menores. O motivo? Evitar novos casos em que um processo civil, movido por indenização, precedesse uma investigação criminal.
No caso Gavin Arvizo, essa mudança fez diferença. A defesa de Michael conseguiu suspender a ação civil até que o processo criminal fosse resolvido. Pela nova regra, não se pode mais buscar compensação financeira sem que haja, antes, uma apuração formal da Justiça criminal. Uma tentativa de frear a exploração financeira de acusações.
Em resumo: se a lei de 2003 existisse em 1993, a família Chandler não teria conseguido mover o processo da forma que fez — e talvez Jackson tivesse tido a chance de se defender como queria.
2025: o acordo de 1993 ainda censura Hollywood
Agora, mais de 30 anos depois, o acordo imposto a Michael Jackson volta a impactar sua narrativa pública — e sua cinebiografia.
Segundo reportagem do The Hollywood Reporter, a produção do filme Michael teve que regravar parte do material porque violava uma cláusula de confidencialidade do acordo com a família Chandler.
Esse contrato ainda vigente proíbe qualquer menção, dramatização ou representação dos acusadores de 1993, impedindo que o filme trate diretamente do caso que mudou a vida do cantor e influenciou toda a sua trajetória posterior.
O CEO da Lionsgate reconheceu: a terceira parte do filme precisou ser reescrita por estar “legalmente inutilizável” — ou seja, censurada judicialmente.
O silêncio imposto ainda custa caro
Michael Jackson foi impedido de lutar em 1993. Foi impedido de contar sua versão nos tribunais. E agora, sua própria cinebiografia também está impedida de contar essa parte da história.
Mas ele deixou pistas.
Na música.
Na revolta.
Na pergunta que ainda ecoa:
“Insurance? Where do your loyalties lie?”