Michael Jackson sempre teve uma obsessão pouco conhecida: o submundo do crime organizado americano. Desde jovem, ele se interessava pelas figuras de mafiosos como Al Capone e os contos cinematográficos de gangsters. Essa fascinação não era passageira. Ela acompanhou sua carreira por décadas e serviu como base para algumas de suas canções mais ousadas e visuais, como “Smooth Criminal” e “Blue Gangsta”.
Lançada em 1987, “Smooth Criminal” não foi apenas mais um hit de Jackson – foi o resultado de anos pensando em como transformar o universo dos gangsters em música pop. A inspiração vinha, entre outras fontes, da vida real de Jack ‘Legs’ Diamond, um gângster irlandês-americano da era da Lei Seca.
O curta-metragem da música bebe dessa mesma fonte, misturando ação, estética noir e dança:
Antes de “Smooth Criminal” nascer, Michael já experimentava ideias semelhantes em faixas como “Al Capone” e “Chicago 1945”. Em “Al Capone”, há referências claras à violência urbana e ao glamour sombrio da máfia, e uma versão inédita até traz uma amostra do clássico filme Little Caesar, com o grito famoso de Rico Bandello: “Você me quer? Então venha me pegar!”
Michael nunca via uma canção apenas como música – para ele, era cinema em áudio. E esse pensamento ficou ainda mais claro anos depois, quando surgiu a faixa “Blue Gangsta”. Gravada em 1998, ela foi criada por Dr. Freeze, com a proposta ousada de ser uma nova “Smooth Criminal”, mas moderna e ancorada nos anos 2000.
“Blue Gangsta” era uma superprodução desde o começo. O Rei do Pop aprovou a demo de Freeze e, logo depois, trouxe para o estúdio uma seleção de músicos de elite: Brad Buxer nos teclados, Greg Phillinganes no Minimoog, e Jerry Hey liderando os metais.
Michael Jackson era obcecado por perfeição. Não bastava uma boa melodia – tudo precisava soar com clareza, impacto e emoção. Ele trabalhava os mínimos detalhes: onde cada som bate no ouvido, a intensidade das frequências, os instrumentos usados. Segundo o engenheiro Michael Prince, “Michael não aceitava qualquer coisa – ele explorava todas as possibilidades antes de decidir o que manter.”
A gravação de “Blue Gangsta” mostra um artista no auge técnico de sua carreira. Jackson tinha 40 anos e, segundo CJ deVillar, um de seus engenheiros, sua voz estava “afiada, poderosa e controlada”. Ele sabia dominar o microfone como poucos: evitava estouros, sibilos e respirava de maneira que nada atrapalhasse a captação.
Mesmo nos vocais de apoio, Jackson fazia questão de participar. Dr. Freeze gravava todos os backing vocals e harmonias, mas Michael sempre entrava para cantar ao menos uma nota em cada camada. Isso criava uma identidade vocal única, com sua assinatura sonora presente até nos mínimos detalhes.
Mas o processo criativo não parava na gravação. Jackson levava uma cópia da música para casa, ouvia várias vezes e voltava com ideias de mudanças. Ele explicava: “Quando você escuta a música, sua cabeça já ouve tudo que falta. Dá vontade de gritar por não estar ali ainda.”
As mudanças vinham com precisão. Michael ouvia sugestões, testava, ajustava. Tudo passava por ele. “Ele era o chefe”, lembra Freeze. “Aberto a ideias, mas a decisão final sempre era dele.” Esse tipo de controle criativo era raro e mostrava o quanto ele se importava com a obra.
Ouça Blue Gangsta:
A obsessão por gangsterismo não era apenas estética. Era uma metáfora para poder, enfrentamento, sobrevivência. Em “Smooth Criminal”, o personagem misterioso é letal e elegante. Em “Blue Gangsta”, ele é frio, ameaçador, moderno. Ambos representam uma figura enigmática que Michael parecia admirar, ou talvez apenas explorar artisticamente.
Os músicos envolvidos confirmam: para Michael, cada música era como construir um filme inteiro. Havia roteiro, elenco, efeitos e narrativa. Era mais do que pop. Era conceito. E quando se tratava de temas como crime e drama, ele entregava algo que ninguém mais se atrevia a fazer.