Em 1995, Michael Jackson lançou uma faixa que muitos ouviram como uma reação à imprensa sensacionalista. Mas Tabloid Junkie era mais do que isso. Trinta anos depois, ela soa como um dossiê brutal sobre o modo como a verdade seria tratada nas décadas seguintes: manipulada, espetacularizada, vendida como entretenimento.
Michael não estava apenas denunciando a mídia. Estava antecipando um sistema que, hoje, chamamos de “viral”.
A lógica da desinformação: do tabloide ao algoritmo
“Just because you read it in a magazine / Or see it on the TV screen / Don’t make it factual” “To buy it is to feed it / So why do we keep foolin’ ourselves?” “To read it sanctifies it / Then why do we keep foolin’ ourselves?”

Antes mesmo da internet dominar a forma como consumimos informação, Michael Jackson já apontava os perigos de se aceitar como verdade aquilo que se lê ou vê — especialmente quando há interesses por trás. Hoje, isso se manifesta no ciclo vicioso de cliques, compartilhamentos e engajamento tóxico. O escândalo virou moeda forte, e a mentira, seu combustível mais barato. E mesmo sabendo disso, continuamos alimentando esse sistema.
A desinformação não se espalha sozinha — ela precisa de plateia. Como dizia minha antiga vice-diretora na escola: “palhaço e circo só existem porque há quem aplauda”. O espetáculo da desinformação só continua porque tem público para sustentar o show.
O linchamento como espetáculo
“Frame him if you could / Shoot to kill / To blame him if you will” “You say it’s not a sword / But with your pen you torture men / You’d crucify the Lord”
Michael antecipou a cultura do cancelamento e da destruição pública. Ele expõe como reputações são desfeitas por conveniência moral, como a dor vira pauta, como a violência simbólica se disfarça de jornalismo. O que era manchete de tabloide em 1995, hoje é thumbnail de YouTube, thread de X/Twitter, corte de podcast. A diferença é que agora, somos todos parte da engrenagem.
Estigmas e manipulação como ferramenta de escândalo
“They say he’s homosexual” / “She’s blonde and she’s bisexual” “Heroine and Marilyn / As the headline stories of all your glory”
Michael denuncia como a sexualidade — especialmente quando foge do padrão — é usada como munição. Isso permanece atual em 2025: artistas LGBTQIA+ ainda são explorados como produtos, e sua identidade segue sendo tratada como algo a ser desvendado, julgado, exposto.
No mesmo trecho, ele menciona Marilyn Monroe e, possivelmente, Elton John (através da referência a “heroína”), dois ícones que foram constantemente usados pela mídia como estampa de tragédias glamurizadas. A crítica aqui vai além do sensacionalismo: é sobre como o sofrimento de pessoas reais vira manchete decorativa — uma estética da dor. Em vez de empatia, o público consome seus colapsos como entretenimento.
Michael antecipa o ciclo da cultura pop que transforma crises pessoais em trending topics. E, pior: quanto mais vulnerável a figura, mais útil ela se torna para o espetáculo da manchete. Michael denuncia como a sexualidade — especialmente quando foge do padrão — é usada como munição. Isso permanece atual em 2025: artistas LGBTQIA+ ainda são explorados como produtos, e sua identidade segue sendo tratada como algo a ser desvendado, julgado, exposto.
Teorias abafadas, verdades controladas
“JFK exposed the CIA / Truth be told the grassy knoll”
Ao citar conspirações históricas, Michael questiona o que a mídia escolhe contar — e o que escolhe esconder. Isso soa ainda mais urgente hoje. De Cambridge Analytica às campanhas digitais de manipulação, vivemos em um cenário em que dados pessoais viram arma política, notícias falsas elegem líderes e escândalos são estrategicamente construídos para dividir a sociedade. Tiroteios são explorados com versões falsas, influencers são usados como massa de manobra, e bots estrangeiros operam redes inteiras com fins ideológicos. O resultado disso? Desconfiança crônica, polarização e uma crise de realidade.
Nem toda teoria é absurda. Às vezes, a verdade apenas não convém a quem tem o poder de silenciar.Ao citar conspirações históricas, Michael questiona o que a mídia escolhe contar — e o que escolhe esconder. Hoje, escândalos como Cambridge Analytica e campanhas digitais de manipulação revelam que nem toda teoria é absurda. Às vezes, a verdade é apenas inconveniente demais para ser publicada.
A crítica que virou manual de sobrevivência digital
O que parecia um desabafo virou, com o tempo, um guia de leitura crítica da realidade. Michael avisou que a verdade podia ser torturada pela imprensa. O que ele talvez não soubesse é que, no futuro, a tortura viria também de cada tela que carregamos no bolso.
Hoje, cada pessoa é um veículo. Cada clique pode levantar ou derrubar alguém. E Tabloid Junkie continua mais atual do que nunca — não por nostalgia, mas porque o alerta permanece ignorado.
Se a verdade continua sendo manipulada, vendida, apagada ou distorcida, não é apenas culpa dos tabloides. É nossa também. Afinal, a viralização da mentira só acontece porque ainda há quem aplauda o espetáculo.
Tabloid Junkie não é só uma faixa de protesto. É uma proposta de consciência. Um convite a não ser mais parte da engrenagem.
Michael avisou. A verdade também precisa de likes.