[Opinião] Quando a ex-sogra de Michael Jackson resolve escrever... | MJ Beats
Michael Jackson, Lisa Marie e Priscilla Presley no Tributo a Elvis (1994)

[Opinião] Quando a ex-sogra de Michael Jackson resolve escrever…

Memórias não são janelas transparentes para o passado — são mais como vitrines de shopping. O que se expõe ali não é “a vida como ela foi”, mas “a vida como eu quero que comprem”. Aristóteles diria que a narrativa é sempre uma escolha de começo, meio e fim; Byung-Chul Han lembraria que, no capitalismo da exposição, escolhemos também o filtro e a iluminação. E, no caso das autobiografias de celebridades, a escolha do que mostrar e do que esconder não é apenas estética ou emocional — é mercadológica.

Priscilla Presley resolveu escrever suas memórias. Nada contra — todo mundo tem direito de contar sua versão da vida, especialmente quando o roteiro já vem pronto, com drama, herança e doses generosas de exposição pública. O título é Softly, As I Leave You (“Suavemente, enquanto eu me despeço”), mas talvez coubesse melhor Loudly, As I Judge You (“Em alto e bom som, enquanto eu te julgo”). Afinal, não é a primeira vez que ela escreve memórias, e sim a enésima tentativa de reaquecer o mesmo prato — agora temperado com “revelações” sobre Michael Jackson.

A sinopse oficial promete um relato sensível sobre reconstrução após Elvis, mas a prévia divulgada mostra que MJ também entra em cena — não como personagem complexo, mas como vilão de novela. Segundo a Booklist, Priscilla acusa Michael de “explorar” Lisa Marie Presley e insinua que ele teria um interesse excessivo pelo legado Presley. É um roteiro conveniente: ela veste o figurino da mãe zelosa, que tenta “proteger” a filha de um suposto manipulador. Mas, como diria qualquer bom historiador, convém olhar para o contexto — e no caso de Priscilla, esse contexto inclui décadas de distanciamento afetivo, disputas de poder e escolhas questionáveis.

Nos relatos da própria Lisa, há episódios em que a mãe surge mais como figura periférica do que como presença protetora. No dia da morte de Elvis, Lisa foi mantida longe do pai enquanto estranhos circulavam ao redor; Priscilla só aparece como imagem distante. Mais tarde, já adolescente, descreve o desconforto de vê-la “invadir” o espaço que associava ao pai, chegando num carrinho de golfe para acenar de longe. Em outro momento, quando Lisa ousou sentar-se à cabeceira numa reunião do conselho, ouviu: “Esta empresa é minha. Fui eu que transformei Graceland em atração turística”. Difícil conciliar esse histórico com a figura de guardiã moral que agora se apresenta para julgar o casamento da filha com Michael.

E há ainda o detalhe incômodo que Priscilla nunca inclui em sua narrativa de mãe incansável: ela conviveu com um namorado que abusou sexualmente de Lisa na infância. Isso não cabe na história da mãe vigilante — mas o suposto perigo representado por Michael, esse, merece páginas inteiras. É um tipo peculiar de revisionismo histórico, com foco seletivo e grande potencial de venda.

A tese de que Michael casou-se com Lisa para se aproximar de Elvis é velha conhecida dos tabloides — cumpre todos os requisitos de uma boa fofoca: fácil de contar e impossível de provar. E há quem lembre que, no tributo a Elvis em 1994, Priscilla não teria gostado de ver Michael atrair mais atenção do que ela — mesmo tentando evitá-la. Holofote, ao que parece, também é hereditário.

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Família unida… ou quase. 1994, tributo a Elvis: Michael tentava passar despercebido. Spoiler: não conseguiu.

Comparar com o livro póstumo de Lisa é revelador: lá também há distorções e reforço de estereótipos, mas escapam alguns momentos de humanidade — especialmente nas memórias de Riley Keough (filha de Lisa Marie), descrevendo Michael como presente e carinhoso. No de Priscilla, pelo que se sabe, nem isso. Só a parte que garante manchete.

O problema é que Michael não está aqui para responder, e cada insinuação solta pode cristalizar-se como “verdade histórica”. Coincidência ou não, são sempre histórias que vendem bem. Softly, As I Leave You talvez seja o título, mas o tom parece mais “Loudly, As I Market You” (“Em alto e bom som, enquanto eu te vendo”).

No fim, a cena que fica é quase cinematográfica: Priscilla, sozinha no palco, ajusta o microfone, ergue o sobrenome Presley como quem ergue um troféu, e projeta sobre Michael um feixe de luz dura, escolhida a dedo. Lá no fundo, sombras bem mais incômodas — suas próprias — permanecem confortavelmente fora do enquadramento. E assim, como sempre, vende-se o espetáculo.