“They’ve gotta hear it from us… We’ve already had enough.”

Lançada discretamente em 2004, dentro do box The Ultimate Collection, We’ve Had Enough é uma das faixas mais impactantes — e talvez mais ignoradas — de toda a carreira de Michael Jackson. E não é por acaso. A música fala de guerra. De morte. De crianças órfãs. De violência policial. E de responsabilidade moral.

📍 O Nascimento da Faixa: Entre Kosovo e Iraque

A origem da canção remonta ao fim dos anos 1990, inspirada por imagens da Guerra de Kosovo, mas foi finalizada por volta de 2003, durante os conflitos iniciais no Iraque, já no contexto pós-11 de setembro.

Michael estava mais introspectivo e acuado, enfrentando acusações e um processo judicial brutal. Ainda assim, usou sua música para dizer: chega. We’ve Had Enough é, acima de tudo, um grito contra a normalização da barbárie.

✒️ A Letra: Parábola ou Denúncia?

A música traz dois quadros narrativos:

• uma menina órfã do pai, vítima da polícia
• um menino órfão da mãe, morta num ataque militar

Ambos perguntam: “Deus disse que você podia decidir quem vive e quem morre?”

A canção não cita países, datas ou presidentes. Mas a crítica é clara: ninguém tem esse direito.

Segundo a filósofa Andréa Faggion, que fez parte da MJ Beats entre 2002 e 2006, o poder de Michael está justamente em não recorrer a slogans nem panfletos:

“Michael é um contador de histórias. Em We’ve Had Enough, ele não diz que quer paz ou que a América mente. Ele mostra uma garotinha perguntando ao policial se Deus o autorizou a matar. E isso dói mais que qualquer bordão.”

Andréa também destaca que a força de Michael não está na denúncia ideológica, mas no olhar nu e humano que ele projeta sobre o mundo:

“Nenhuma teoria vale mais que uma vida. Michael não usa lentes ideológicas. Ele nos faz sentir aquilo que já devíamos saber.”

🧑‍⚖️ Um Lançamento Silenciado

A faixa chegou a ter uma versão com adlibs de Janet Jackson, gravada em visita a Neverland. Michael tinha intenção de lançá-la como single. Mas foi desencorajado por seu advogado Thomas Mesereau, que temia retaliações em meio ao julgamento.

Com quase 6 minutos e sem refrão tradicional, a canção era difícil de encaixar em rádios ou videoclipes. Ela acabou lançada como faixa inédita no box set — mas não passou despercebida por quem realmente escutou.

🔥 A Canção Mais Política (e Subestimada)

Enquanto They Don’t Care About Us e Earth Song carregam metáforas, We’ve Had Enough é uma crítica direta à guerra e à autoridade armada. Sem duplas interpretações. Sem filtros.

Durante o Bambi Awards, na Alemanha, pouco após o 11 de setembro, Michael fez um discurso onde disse claramente: “We don’t need to have war”. Foi um dos poucos americanos com visibilidade global a se posicionar assim naquele momento.

“Michael merece uma medalha por isso”, diz Andréa. “E We’ve Had Enough é parte desse posicionamento. É a denúncia sem panfleto. É arte como crítica moral, não como slogan político.”

🧠 Conclusão: Não É Só Uma Música

We’ve Had Enough não foi composta para soar bem no rádio. Ela foi feita para incomodar. Para provocar. Para expor o que muitos preferem ignorar: que a dor das supostas supostas vítimas não é estatística — é um pedido por humanidade.

Michael não nos entrega um herói, nem uma solução. Ele entrega a pergunta que ninguém quer ouvir. E isso é mais poderoso do que qualquer refrão.

“It’s up to me. I’m still alive.”
Eles precisam ouvir de nós. Já tivemos o bastante.

🎚️ Ficha Técnica de “We’ve Had Enough”

• Duração: 5:45
• Compositores:
  • Michael Jackson
  • Rodney Jerkins
  • LaShawn Daniels
  • Carole Bayer Sager
• Produção:
  • Michael Jackson
  • Rodney Jerkins
• Vocal principal: Michael Jackson
• Bateria: Gerald Heyward
• Engenheiros de gravação:
  • Jean Marie Horvat
  • Brad Gilderman
  • Harvey Mason Jr.
  • Dexter Simmons
  • Bruce Swedien
  • Stuart Brawley (Sony Studios, Nova York)
  • Dark Child Studios
• Mixagem: Serban Ghenea
• Assistentes de engenharia:
  • Tim Roberts
  • Tom Sweeney
  • Jeff Burns
  • Dave Ashton
  • Craig Durrance
• Edição digital: Stuart Brawley
• Orquestração: Jeremy Lubbock
• Arranjo de cordas: Jerry Hey
• Edição adicional (Pro Tools): John Hanes
• Status: previously unissued (inédita até o lançamento no box)