Quando a ficção se disfarça de biografia: 10 pérolas do universo paralelo de Taraborrelli | MJ Beats
Seres 'non-sense' venerando o livro de Randy Taraborrelli: só assim pra achar o livro bom.

Quando a ficção se disfarça de biografia: 10 pérolas do universo paralelo de Taraborrelli

J. Randy Taraborrelli conseguiu um feito raro: escrever uma biografia que diz mais sobre as fantasias na cabeça do autor do que sobre o biografado. Ao longo de suas páginas, o que se vê é menos um retrato de Michael Jackson e mais um caleidoscópio de exageros, boatos e liberdades criativas dignas de um roteiro de novela das nove com pitadas de tabloide britânico. Abaixo, uma seleção das pérolas mais inacreditáveis (e involuntariamente cômicas) do livro, organizadas para estudo, reflexão e, claro, boas risadas.


1. Rituais vodu com sangue de vacas

Segundo o autor, Michael teria realizado rituais vodu com o sangue de nada menos que 42 vacas. Nem uma, nem duas. Quarenta e duas. O que nos leva a crer que Taraborrelli talvez tenha confundido Neverland com um matadouro cerimonial. A fonte? Um artigo especulativo da Vanity Fair. Provas? Nenhuma. Testemunhas? Zero. Evidências? Apenas a imaginação do autor em pleno galope. Se esse fosse um argumento de tese, não passaria da primeira banca.


2. Prince usou poderes mentais contra o chimpanzé

Aqui a criatividade ultrapassa os limites do zoológico e da lógica: Prince (sim, o artista) teria usado “poderes mentais” para enlouquecer Bubbles, o chimpanzé de Michael. A cena parece tirada de um crossover entre X-Men e Planeta dos Macacos. Nenhum especialista em comportamento animal foi consultado, mas o autor parece convencido. Ou talvez apenas entediado.


3. A câmara hiperbárica da imortalidade

Uma foto antiga de Michael ao lado de uma câmara hiperbárica foi o suficiente para criar a teoria de que ele dormia lá dentro para se tornar imortal. Na verdade, tratava-se de uma visita a uma unidade hospitalar para mostrar segurança às crianças queimadas. Mas é mais rentável vender lendas do que explicar contextos.


4. Romances “imaginários” com Diana Ross e Brooke Shields

Segundo o livro, os relacionamentos com Diana Ross e Brooke Shields seriam frutos da imaginação de Michael. Curioso, já que ambas continuaram próximas dele por anos, sem jamais desmentirem nada publicamente. Talvez Taraborrelli tenha confundido discrição com delírio.


5. Thriller quase cancelado por motivos religiosos

Sim, houve um desconforto com o clipe de Thriller, tanto que o famoso aviso sobre crenças religiosas foi incluído no início. Mas o álbum? Estava mais do que finalizado. Taraborrelli reinventa a cronologia para transformar um dilema pontual em crise existencial.


6. Uma infância solitária entre ratos

Michael teria tido uma infância solitária, cercado apenas por ratos. O detalhe é que ele cresceu com nove irmãos, estudou, trabalhou com artistas desde pequeno e mantinha contato com vizinhos. Taraborrelli parece não saber diferenciar uma amizade com o rato Ben de uma vida inteira sem relações humanas.


7. Casamento com Lisa Marie como jogada de marketing

Há quem acredite que o casamento com Lisa Marie Presley foi puro teatro. As fotos, entrevistas e relações familiares sugerem o contrário. Aliás, nem os roteiristas de Hollywood conseguiriam forjar a química evidente entre os dois. Talvez o problema esteja em confundir complexidade com falsidade.


8. Não era pai biológico dos filhos

A paternidade de Michael é colocada em dúvida. Mas pai, como já disseram os bons eticistas, é quem cuida. E isso, ele fez. Diariamente. Nas viagens, aniversários, fotos, depoimentos e laços afetivos que não precisam de DNA para serem autênticos.


9. Vício completo em remédios desde os anos 80

Michael sofreu um acidente grave em 1984, num comercial para a Pepsi. Usou medicamentos, como qualquer paciente usaria. Transformar isso em um quadro de vício consolidado e ininterrupto é pular etapas, ignorar nuances e abusar da conjectura. É também uma forma clássica de ‘patologizar’ o talento.


10. Guerra constante com os irmãos

Conflitos familiares existem em toda casa. Mas no livro, divergências viram batalhas campais. Michael participou de turnês, reuniões e colaborações com os irmãos por décadas. A família estava presente nas fases boas e ruins. E isso, em se tratando de clãs artísticos, é raridade.


Bônus Track: a edição pós-2009

A “versão definitiva” do livro, lançada após a morte de Michael, é uma reedição de boatos anteriores, com pitadas adicionais de mistério e drama. Em vez de revisar, o autor duplicou os delírios. E assim, a biografia virou seu próprio spin-off.


Conclusão

Michael Jackson foi, sem dúvida, um dos artistas mais complexos e extraordinários do século XX. Retratá-lo exige responsabilidade, não sensacionalismo. Quando um autor se perde em narrativas mirabolantes, revela mais sobre sua sede de holofotes do que sobre o objeto de seu livro. Em um mundo que já é confuso demais, a boa biografia deveria ser um farol, não um espelho de funhouse.

Se Taraborrelli ainda não percebeu isso, paciência. Talvez algum dia ele leia sua própria obra e se pergunte: “O que eu estava pensando?”. Até lá, seguimos fazendo o que ele deveria ter feito: separar os fatos da ficção.

Para quem quer saber a verdade — bem-vindo à MJ Beats.


📌 Nota ao leitor

Esta é uma versão revisada do texto originalmente publicado. A mudança não foi motivada por pressão externa, mas por uma reavaliação interna: percebemos que é possível manter o humor ácido e a crítica afiada sem escorregar em provocações gratuitas. A decisão de editar não vem de arrependimento, mas de responsabilidade: com o leitor, com o debate público e até com aqueles que, com seus erros, nos oferecem matéria-prima para refletir. Aos leitores da primeira versão, obrigado pela companhia. Aos novos, bem-vindos ao texto 2.0 — com o mesmo espírito, mas com retoques que fazem jus à inteligência de quem lê.