Por Richard Mendelsohn e Joice Castilho
Nota ao leitor: Este texto é um exercício de reflexão coletiva. Duas vozes — com visões distintas e respeito mútuo — compartilham aqui suas leituras sobre a desconstrução pública de Michael Jackson. Às vezes em concordância, às vezes em contraponto. Mas sempre ao lado dele.
Michael Jackson foi exaltado por dois presidentes republicanos. Ronald Reagan, em 1984, o chamou de exemplo para a juventude americana e entregou-lhe uma comenda oficial. Declarou: “Michael, você tornou possível alertarmos milhões de jovens americanos sobre os perigos de beber e dirigir.” Brincou com a imprensa: “Bem, isso aqui não é um Thriller?” — misturando política, cultura pop e propaganda institucional. Finalizou: “Seu sucesso é um sonho americano que se tornou realidade.”
George H. W. Bush, em 1990 e novamente em 1992, o reconheceu como Artista da Década. Disse: “Quero dar as boas-vindas a Michael Jackson. Nomeado artista da década, ele tem um público imenso e inspirador.” Durante esses anos, MJ era celebrado como símbolo do self-made man. Negro, bem-sucedido, global — e, até então, apolítico. Útil. Neutro. Seguro.

na Casa Branca em Washington, DC.

Mas essa neutralidade começou a ruir quando ele deixou de falar só de espelhos e passou a mostrar o mundo. Man in the Mirror ainda era tolerável: mudança individual, imagens seguras, ícones aprovados pela moral dominante. Mas Heal the World, em 1991, não trazia Michael no vídeo. Mostrava guerras, tanques, pobreza, dor — apontava o dedo, sem pedir desculpas. E isso incomodou.
Para alguns de nós, foi ali que ele cruzou a linha. Quando deixou de ser apenas entretenimento e se tornou discurso. Quando começou a falar por imagens. Quando ficou grande demais para ser apenas símbolo. Tornou-se ideia. E ideias são perigosas.
Mas será que foi isso mesmo que selou sua queda? Será que a denúncia veio como punição por politização? Ou será que o que o derrubou foi algo ainda mais pragmático — e mais cruel: o lucro?
O outro contraponto dessa derrocada é refletir que Michael, aos olhos da indústria, deixou de lado apenas sua persona artística para se tornar homem, pai, dono de seu próprio destino e, o que mais importava: dono de um dos catálogos musicais mais valiosos do mundo.
Aos olhos da indústria, Michael havia deixado de ser apenas um astro rentável para se tornar um obstáculo. Ele pausou a carreira para cuidar dos filhos, reduziu drasticamente a quantidade de lançamentos e já não respondia mais aos mesmos gatilhos comerciais que sustentavam o mercado. Ainda assim, seguia acumulando lucros com direitos fonográficos e de publicação. Sem produzir novos sucessos, ele continuava dono de muitos. Além das ideias políticas, Michael tinha sua autonomia financeira, que não beneficiava diretamente os mesmos que há décadas lucraram com seu sucesso.
Falir Michael Jackson tornou-se, portanto, uma estratégia de reposicionamento: era preciso que ele voltasse a gerar lucro de forma ativa — seja retomando a carreira, seja vendendo parte do catálogo que controlava. A desconstrução pública que sofreu não foi mero acaso: foi sintoma de um sistema em que o artista só serve enquanto se dobra ao seu papel de produto.
A primeira denúncia veio em 1993, num momento em que MJ ainda era, oficialmente, o Rei do Pop. A segunda, em 2003, coincidiu com uma disputa com a Sony e sua resistência em se curvar às pressões do mercado. Em ambos os casos, o padrão se repetiu: escândalos em torno de acusações, comoção midiática, campanhas de difamação e manchetes incessantes. O artista mais amado do mundo, de repente, virou o personagem perfeito para tabloides e sátiras. Aquele que antes vendia discos, agora vendia fofocas.
Enquanto parte do público se afastava, outros se deliciavam com a queda. Afinal, como disse o Duende Verde (interpretado por Willem Dafoe) em Homem-Aranha (de Sam Raimi, 2002):
“Nada é melhor pras pessoas do que ver um herói caindo.”
Michael Jackson incomodava não apenas por sua genialidade ou eventual posicionamento político. Incomodava porque sobreviveu — e prosperou — num sistema que queria controlá-lo por completo. Porque detinha os próprios meios. Porque, mesmo calado, gerava receita fora da engrenagem usual. Tornou-se, para a indústria, um problema a ser resolvido.
E resolveram: pela via do escândalo, da perseguição judicial, da destruição simbólica. A mídia o serviu ao público como um banquete. Transformaram-no num ser bizarro, ajustável a qualquer acusação. Até mesmo vozes outrora aliadas se calaram.
Mas heróis de verdade não caem em silêncio. Nem sozinhos.
Michael Jackson caiu, sim — mas caiu em glória. Seu legado, ao contrário de sua imagem pública, permanece inquestionável: um farol de genialidade e inspiração que continua iluminando e moldando gerações.




