Em setembro de 1986, as estrelas da música pop se encontraram para discutir o tão comentado “duelo”. Michael Jackson acabara de protagonizar o filme de ficção científica em formato 4-D, “Captain EO“, para a Disney, enquanto Prince lançava seu próprio filme musical, “Under the Cherry Moon“, que incluía o sucesso “Kiss“, um dos singles mais populares de sua carreira.

Naquele momento, tanto Prince quanto Michael Jackson estavam no auge de sua carreira. Ambos haviam lançado álbuns monumentais – “Thriller” e “Purple Rain“. Ambos mantinham uma aura de mistério ao seu redor, evitando entrevistas e cultivando imagens excêntricas que alimentavam a curiosidade do público.

Sua influência era incomparável; nenhuma outra estrela da década de 1980 – nem Madonna, Bruce Springsteen ou Bono – conseguia inspirar um nível tão intenso de devoção dos fãs.

O interesse público fervilhava quando se tratava do relacionamento entre os ícones da música pop, Michael Jackson e Prince…

Eles eram amigos ou rivais?

Durante a década de 1980, inúmeros jornalistas abordaram o tema, muitas vezes oferecendo relatos sensacionalistas e especulativos. Um exemplo disso foi um artigo no National Enquirer, de 1985, que alegou que Prince havia enlouquecido o chimpanzé de Jackson, Bubbles, usando supostos poderes psíquicos.

A maioria dos textos que comparavam os dois artistas os retratava como polos opostos: Jackson era descrito como uma alma inocente em um corpo de criança, enquanto Prince era visto como um rebelde sem limites. Jackson era associado à prodigiosa Motown, enquanto Prince emergia como um gênio autodidata das ruas de Minneapolis. Enquanto Jackson representava o mainstream comercial, Prince desafiava as convenções como um artista vanguardista. Se Jackson personificava a magia, Prince personificava o sexo e a rebeldia.

Em muitos aspectos, essa narrativa reforçava a dicotomia entre “Beatles” e “Rolling Stones“.

No entanto, essa simplificação não refletia completamente a realidade. Na verdade, parte do fascínio da rivalidade entre eles residia em suas notáveis semelhanças.

Ambos nasceram em 1958, com apenas dois meses de diferença (Prince em 7 de junho e Jackson em 29 de agosto). Cresceram em meio a um período de intensas mudanças nos Estados Unidos, desde os primeiros dias do movimento pelos direitos civis até o auge da era Kennedy.

Tanto Jackson quanto Prince eram originários de cidades industriais do meio-oeste americano: Jackson de Gary, Indiana, e Prince de Minneapolis, Minnesota. Criados em ambientes modestos, seus pais nutriam grandes aspirações para suas famílias.

Ambos os artistas tinham raízes no sul dos Estados Unidos, com os pais de Jackson vindo de Arkansas e Alabama, e os pais de Prince de Louisiana. Vindos de famílias que escaparam da opressão racial no sul, buscavam melhores oportunidades no norte.

Sob a orientação de pais trabalhadores e disciplinados, tanto Prince quanto Jackson foram criados em lares  rigorosos.

Katherine e Joseph Jackson (pais do Michael) / John Nelson e Mattie Shaw (pais de Prince)

Joseph Jackson era operador de guindaste em uma usina siderúrgica no leste de Chicago e muitas vezes trabalhava horas extras para sustentar sua família de 11 pessoas. O jovem Michael se lembra de como voltou para casa depois de um longo dia de trabalho, completamente exausto. Sua única saída era a música. A banda de Joseph, The Falcons, ensaiava na pequena casa da família Jackson e frequentemente se apresentava em clubes locais, na esperança de serem reconhecidos. Quando ficou claro para Joseph que isso não aconteceria, ele concentrou todos os seus esforços nas crianças.

O pai de Prince, John Nelson, também sonhava em se tornar um músico famoso. Ele era um talentoso pianista de jazz e tocou em Minneapolis com sua banda The Prince Rogers Trio. No entanto, como Joseph Jackson, ele trabalhava duro para pagar as contas (ele trabalhou na fábrica da Honeywell em Minneapolis). A música era sua paixão, mas a vida cotidiana não permitia que ele se dedicasse inteiramente ao seu hobby. Prince cresceu vendo seu pai cair em desespero e raiva cada vez mais, não conseguindo realizar seus sonhos. Como Joseph, ele concentrou todos os seus esforços nas crianças. “Chamei meu filho de Prince”, disse John Nelson, “porque queria que ele realizasse o que eu não consegui.”

Claro, essas aspirações têm um preço. Ambos os artistas sofreram abusos na infância e perderam o amor pelo pai. Jackson foi forçado a ensaiar e trabalhar como adulto desde os oito anos de idade, e Prince foi expulso de casa quando adolescente. Ambos tentaram desesperadamente ganhar o amor de seus pais; na verdade, devido em parte às suas infâncias conturbadas e dolorosas, Jackson e Prince aprimoraram suas habilidades incansavelmente. Sua obsessão pela arte era tão grande que às vezes excluía completamente relacionamentos íntimos de longo prazo.

A música sempre vem em primeiro lugar. Ambos realizaram uma tarefa quase messiânica para atingir seus objetivos com sua arte.

A lista de semelhanças é infinita: ambos eram solitários, vulneráveis, absorviam informações como uma esponja quando crianças; ambos idolatravam James Brown, Sly Stone e Stevie Wonder; ambos preferiram o crossover, pois acreditavam na fusão de estilos musicais e se cercaram de profissionais de diferentes raças; ambos acreditavam que a música deveria ser acompanhada por vídeo de qualidade; ambos manipularam livremente os conceitos de raça, gênero e sexualidade, redefinindo o que significava ser homem; ambos defendiam sua privacidade; raramente davam entrevistas (especialmente nos anos 80) e criavam imagens misteriosas que pareciam incompreensíveis; ambos eram religiosos e por algum tempo membros da comunidade das Testemunhas de Jeová; ambos construíram mundos utópicos grandiosos (Paisley Park e Rancho Neverland); ambos lutaram com unhas e dentes com suas gravadoras e a indústria em geral, defendendo os princípios de compensação justa, exploração corporativa e controle criativo; ambos experimentaram desacelerações comerciais e críticas significativas nos Estados Unidos após escândalos; e ambos morreram súbita e tragicamente no meio de seu retorno ao palco.

Michael Jackson e Prince aos 7 anos de idade

Além dessas semelhanças, havia outra característica comum muito importante: o espírito de competição.

A Rivalidade

Jackson e Prince eram indivíduos incrivelmente ambiciosos, determinados a alcançar o topo da hierarquia pop.

Conheciam os detalhes dos álbuns, turnês, prêmios e conquistas um do outro, e embora pudessem não admitir publicamente, secretamente nutriam o desejo de superar um ao outro, especialmente durante os anos 80.

Em 1984, Prince testemunhou Michael Jackson receber um número recorde de prêmios Grammy, um feito que o inspirou a almejar o mesmo reconhecimento e prestígio para o seu próprio trabalho. “Assistimos às primeiras sessões de Purple Rain”, recorda Bobby Zee, “e sabíamos que Prince estava determinado a fazer o próximo ano ser o dele”. Por outro lado, Jackson estava atento ao fenômeno Purple Rain, comparecendo à estreia do filme e aos concertos de Prince, meticulosamente planejando seu próprio retorno ao trono da música.

Michael Jackson e Prince: únicos em sua arte

Essa rivalidade ficou totalmente evidente no lendário jogo de pingue-pongue em dezembro de 1985. Jackson, acompanhado por guarda-costas, apareceu no estúdio de Samuel Goldwyn em West Hollywood, onde Prince estava terminando o trabalho em Under the Cherry Moon. Após uma troca de gentilezas, o Prince convidou Jackson para jogar uma partida de pingue-pongue. Jackson nunca havia jogado antes, mas disse que tentaria.

Todo o trabalho no estúdio parou.

Prince começou jogando, mas logo um espírito de rivalidade surgiu dentro dele, e começou a sacar com força. “Ele joga como Helen Keller!” dizia Prince. Após a brincadeira, Jackson se recompôs e puxou assunto com a então namorada de Prince, a atriz Sherilyn Fenn.

“Michael sabia exatamente como se comportar”, lembra a engenheira de som de Prince, Susan Rogers. — Não parecia que ele estava chateado com o jogo. Ele começou a flertar com Sherilyn, que tinha ido visitar Prince no estúdio. Prince ficou irritado, mas não interferiu. Eles rapidamente se despediram.’’

Reunião secreta

Quincy Jones organizou secretamente um encontro entre Michael Jackson e Prince durante o verão de 1986, onde suas ideias e colaboração potencial tomaram forma.

Jackson trouxe uma fita demo provisoriamente intitulada “Pee”, com um gancho de baixo cativante, elementos de órgão jazzísticos e um refrão explosivo. Na presença de Jones, Frank Dileo e Bruce Swedien, eles observaram enquanto Prince ouvia atentamente a faixa na sala de controle do estúdio. O encontro foi descrito como tenso e fascinante, com os dois artistas competindo de forma sutil.

Jackson propôs a ideia de vazar histórias de rivalidade para a imprensa, inspirado pela estratégia de P.T. Barnum de usar publicidade para criar intriga e entusiasmo. No entanto, Prince estava cético sobre a dinâmica de controle do projeto, sentindo que Jackson estava determinado a dominar. Ele expressou suas preocupações sobre ser retratado de maneira negativa no projeto Bad.

Apesar de Prince oferecer uma música alternativa para Jackson, a colaboração não avançou devido às divergências criativas e de controle. Prince, ao sair do encontro, reconheceu o potencial do sucesso da música de Jackson, mesmo que ele não estivesse envolvido.

Embora nunca tenham trabalhado juntos, as carreiras de Prince e Jackson frequentemente se entrelaçavam e se complementavam. Em outubro de 1988, ambos fizeram shows memoráveis, destacando suas habilidades únicas e criatividade. O show de Jackson, considerado maior e melhor, atraiu uma ampla gama de público, enquanto o de Prince ultrapassou as expectativas do mainstream pop.

A imprensa caracterizou os eventos como uma “batalha de titãs no rio Hudson”

Michael Jackson durante o show da Bad Tour em Meadowlands e Prince apresenta a sua Lovesexy Tour no Madson Square Garden (1988)

Michael Jackson era conhecido por sua habilidade excepcional na dança, enquanto Prince se destacava por sua destreza ao tocar instrumentos musicais. Enquanto Jackson apresentava performances ao vivo com uma precisão cinematográfica, Prince adotava uma abordagem mais livre e improvisada, semelhante à de um músico de jazz. Ambos tinham o carisma necessário para envolver completamente seu público, proporcionando experiências transcendentes.

A imprensa frequentemente tomava partido nessa rivalidade, destacando as diferentes qualidades de cada artista. No entanto, a polêmica sobre quem era superior persistia, abrangendo diversos aspectos como habilidades musicais, composições, vídeos e impacto cultural.

Jackson e Prince não apenas se desafiavam mutuamente, mas também estabeleciam padrões para futuras gerações de artistas e performers. Eles foram pioneiros na quebra de barreiras raciais na indústria do entretenimento, deixando um legado de versatilidade e originalidade.

Ambos eram artistas completos, escrevendo suas próprias músicas, dirigindo vídeos e transmitindo mensagens profundas por meio de suas performances. Seus catálogos abrangentes cobriam uma ampla gama de emoções e experiências humanas, contribuindo significativamente para a cultura global.

Na década de 80, eles dominaram as paradas musicais, quebrando recordes com álbuns como “Thriller” de Jackson e “Purple Rain” de Prince. Seu impacto na música e na cultura popular continua sendo inegável até hoje.

Mais do que simples performers, Jackson e Prince eram artistas que tinham algo importante a dizer e usavam todos os meios disponíveis para se expressar.

Rivais até o fim?

Michael Jackson e Prince, dois ícones da música pop, compartilhavam uma intensa obsessão pela criação artística, constantemente inundados por ideias e inspiração. Jackson, preparando-se para sua série de 50 shows na O2 Arena em Londres, sentiu uma pressão para superar o recorde de Prince de 21 shows consecutivos. Ele estava tão imerso em suas ideias criativas que temia que se não as aceitasse, Prince poderia recebê-las de Deus. Por sua vez, Prince também experimentava uma necessidade incessante de expressão criativa, sentindo que havia múltiplos álbuns tocando em sua mente.

A morte prematura de Michael Jackson em 2009, coincidentemente no 25º aniversário de lançamento de “Purple Rain” de Prince, foi um evento que comoveu o mundo. O funeral de Jackson foi assistido por milhões, comparável ao da princesa Diana. Embora Prince tenha mantido silêncio publicamente, ele compartilhou um momento de conversa emocional com Travis Smiley sobre a perda de Jackson e sua própria mortalidade.

Após a morte de Jackson, Prince homenageou-o em suas turnês, tocando músicas como “Don’t Stop ’’Til You Get Enough. No entanto, quando questionado sobre a morte de Jackson, Prince optou por não comentar, revelando a profundidade de sua conexão pessoal com o ocorrido.

Em um triste paralelo, a morte de Prince em 2016 também chocou o mundo. Como Jackson, ele deixou um legado imensurável na música. Embora os rumores sobre rivalidades entre eles tenham surgido, a verdade é que ambos se respeitavam e reconheciam as conquistas um do outro como pioneiros afro-americanos na indústria musical.

Apesar de suas carreiras terem seguido trajetórias distintas, Michael Jackson e Prince foram figuras incontestáveis e rivais na cena musical, marcando época com seus estilos únicos e inovadores, enquanto mantinham um respeito mútuo.

Como dois dos mais proeminentes artistas de sua geração, Jackson e Prince deixaram um legado imortal na música pop, com suas contribuições revolucionárias continuando a influenciar a cena musical contemporânea. Seu impacto perdura, evidenciando que suas obras transcenderam o tempo e ainda ressoam significativamente na cultura musical atual.

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