Existem datas que não estão nos livros de história, mas que marcam a memória coletiva de uma geração. O dia 20 de setembro de 1993 foi um desses momentos: filas dobrando quarteirões, jovens dormindo nas calçadas, jornais narrando o êxtase e a ansiedade. Não se tratava de eleições, nem de protestos, nem de Copa do Mundo. Tratava-se de ingressos para ver Michael Jackson.
Naquele dia, o Brasil suspendeu suas rotinas em nome de um espetáculo que, para milhões, era mais do que música: era a promessa de contato com o extraordinário. A rede de lojas C&A virou, de repente, uma espécie de templo pagão, onde se distribuíam senhas de acesso ao sagrado.

Não era só sobre música. Era sobre fazer parte de um momento que transformava o país em palco global. Os ingressos, que custavam entre 16 e 55 dólares, representavam um esforço real, mas acessível o bastante para alimentar a febre coletiva. Guardar a fila, garantir o bilhete, segurar aquele papel na mão — tudo isso já era parte do show.
E é curioso pensar como esse ritual mudou de forma, mas não de intensidade. Em 1993, a corrida era física: filas, acampamentos, a espera de horas ou dias. Hoje, é digital: atualizações frenéticas no navegador, páginas travando, bots comprando em segundos o que milhões desejam. Se antes o drama era encarar a madrugada no cimento frio, agora é lutar contra algoritmos que transformam ingressos de Taylor Swift ou Lady Gaga em artigos de luxo antes mesmo de chegarem ao público.
Mas, no fundo, a cena é a mesma: pessoas chorando de alívio ao conseguir, trocando histórias de “batalha” por ingressos, contando como o show se tornou não apenas música, mas um marco de vida. O desejo de estar lá continua intacto, atravessando décadas.
Eu me lembro de ver a confusão nos jornais, de ouvir parentes e amigos comentando como “o país tinha parado” por causa de um cantor. Para alguns, isso parecia exagero; para mim, ficou claro que era exatamente esse o ponto. A vida precisava desses exageros, dessas pequenas loucuras coletivas que, por uma noite, nos arrancam do lugar-comum. Quem guardou aquele ingresso em 1993 não guardou apenas um pedaço de papel: guardou a sensação de que, por algumas horas, esteve no centro do mundo.






