Ver Jaafar no papel do tio desperta sentimentos mistos — e é natural. Quando o legado é do tamanho de Michael Jackson, qualquer escolha parece grande demais para caber em uma única pessoa.
O anúncio de Jaafar Jackson no papel do Rei do Pop para a cinebiografia “Michael” causou grande entusiasmo. Mas, junto com a celebração, veio também a dúvida comum: “é nepotismo?” ou “por que não escolher um imitador?”
A questão é compreensível — Hollywood vive de herdeiros artísticos e, em tempos de redes sociais, a linha entre talento e privilégio parece cada vez mais tênue. Ainda assim, o caso de Jaafar foge da regra.
Os próprios irmãos de Michael resumiram bem: “Só um Jackson poderia interpretar um Jackson com tanta maestria.” Mas o sangue, aqui, é apenas o ponto de partida. O que realmente pesou foi o trabalho, o preparo e a entrega.
Imitar ou Encarnar: o que o cinema exige
Muitos imaginam que o papel caberia melhor a um sósia, alguém capaz de reproduzir cada movimento de palco. Mas imitar não é interpretar.
Imitar é copiar gestos, timbre e coreografia.
Encarnar é traduzir emoções, contradições e fragilidades — exatamente o que o cinema pede.
Michael Jackson não foi só o maior showman do século. Foi também um ser humano cercado por paradoxos: o prodígio que queria ser criança, o ídolo que buscava normalidade, o gênio que se escondia da própria fama. Mostrar isso em tela não exige um dançarino perfeito, e sim um ator capaz de sustentar um retrato humano por trás do mito.
O Teste de Fogo: quando o preparo fala mais alto
Dizer que Jaafar ganhou o papel por ser da família é ignorar o que realmente aconteceu.
Na época da seleção, ele estava estudando formalmente em uma escola de atuação, longe dos holofotes. Participou de testes exigentes conduzidos pelo produtor Graham King (Bohemian Rhapsody) e pelo diretor Antoine Fuqua. Nenhum deles é conhecido por escolher elenco “por laços de sangue”.
Jaafar recebeu a notícia da escalação enquanto estava em aula — um detalhe simbólico que diz muito. Ele não estava em um evento de família, mas trabalhando em sua técnica. E foi justamente ali que o mérito se sobrepôs ao sobrenome.
Casos assim não são inéditos. O ator O’Shea Jackson Jr. interpretou seu pai, Ice Cube, em Straight Outta Compton e foi amplamente elogiado. No Brasil, Fiuk viveu Fábio Jr. no especial Por Toda Minha Vida da Globo, também com boa recepção. Em ambos, o parentesco não foi atalho — foi um ponto de partida para algo autêntico.
O legado da excelência
Michael Jackson acreditava que talento só tem valor quando é lapidado com disciplina. Sua dança revolucionária nasceu da observação obsessiva de mestres como James Brown e Fred Astaire.
Jaafar segue esse mesmo princípio. Não se trata de “herdar” o trono, mas de honrar o legado com o mesmo rigor e respeito. Ele não é um cover, e sim um ator que entende a dimensão do papel que assumiu.
O desafio de interpretar Michael Jackson vai muito além do palco — e o fato de Jaafar estar preparado para isso mostra que, às vezes, o mérito pode sim vir de dentro da própria família.
No fim, talvez só alguém que cresceu vendo Michael de perto possa lembrar ao público que, por trás do mito, sempre existiu um homem — e é esse homem que o cinema agora tenta redescobrir.




