'Dangerous': O dia em que o crime organizado fez o melhor marketing da Sony | MJ Beats
Close dos olhos de Michael Jackson na arte do álbum Dangerous, com expressão intensa de susto e elementos surrealistas ao redor.

‘Dangerous’: O dia em que o crime organizado fez o melhor marketing da Sony

Você sabe quanto pesa a cultura pop? Hoje, ela não pesa nada. Ela flutua em nuvens de dados, impalpável, onipresente e, convenhamos, um tanto banalizada. Mas houve um tempo – especificamente na crepuscular e perigosa Los Angeles de 1991 – em que a música tinha massa, volume e, acima de tudo, risco. Em novembro daquele ano, o lançamento de Dangerous não foi apenas um marco na discografia de Michael Jackson; foi o epicentro de uma operação logística que faria qualquer chefe de equipe de Fórmula 1 corar de inveja pela audácia. Estamos falando do roubo de 30.000 cópias do álbum, subtraídas de um terminal de carga do aeroporto de Los Angeles (LAX) com a precisão cirúrgica de quem sabe que está carregando ouro, e não policarbonato.

Pense na cena. Três homens armados rendem funcionários, amarram-nos (sem ferimentos, o que denota um profissionalismo quase britânico em meio ao caos americano) e utilizam empilhadeiras para carregar um caminhão. Empilhadeiras! Isso não é pirataria digital; é halterofilismo criminal. Para roubar música em 1991, você precisava de bíceps e logística pesada. Hoje, um adolescente entediado vaza um álbum inteiro com um pendrive e uma conexão Wi-Fi instável, esvaziando o valor da obra sem sequer suar a camisa. Há, perdoem-me o cinismo, uma certa nobreza perdida na ideia de que a arte valia o risco de uma pena de prisão por assalto à mão armada.

O que moveu esses cavalheiros não foi o amor pela arte – ou talvez fosse, se considerarmos o capitalismo a maior das artes performáticas. Eles entenderam, antes de muitos analistas de Wall Street, a teoria da “mercadoria quente”. Michael Jackson, naquele momento, não era apenas um cantor; ele era uma economia autônoma, um PIB ambulante. Aquelas 30.000 cópias, roubadas cinco dias antes do lançamento oficial, representavam uma escassez artificial que faria qualquer cambista de final de Copa do Mundo salivar. Era a oportunidade de vender o ingresso para a conversa global antes que os portões se abrissem.

É curioso – e aqui entra aquela ironia que a história adora nos servir fria – que o roubo tenha alimentado a própria narrativa do álbum. Dangerous precisava ser perigoso. Ao contrário do polido e perfeito Thriller, esse novo trabalho flertava com o industrial, o urbano, o mistério. E nada grita “credibilidade das ruas” mais alto do que ter seu produto roubado à mão armada por um sindicato do crime. Foi um marketing acidental, uma espécie de “efeito Streisand” com armas de fogo, que apenas confirmou ao público que aquele disco era um objeto de desejo pelo qual valia a pena matar ou morrer – ou, no mínimo, pilotar uma empilhadeira na madrugada.

No fim, a Sony absorveu o prejuízo como quem paga uma multa irrisória por excesso de velocidade, e o álbum estreou em primeiro lugar, vendendo milhões. O crime, longe de prejudicar, sacramentou o status de MJ. Mas fica aqui a reflexão sobre a nossa era asséptica: quando foi a última vez que você sentiu que uma obra de arte tinha peso real, físico, intransferível? Será que a facilidade com que acessamos tudo hoje não nos roubou, paradoxalmente, o valor de ter algo nas mãos que outros se arriscariam para tirar?

Se a música hoje é ar, em 1991 ela era chumbo. E talvez, só talvez, a gente sinta falta de carregar esse peso.

Vocês acham que a desmaterialização da música diminuiu a nossa paixão, ou apenas trocamos a adoração pelo objeto pela conveniência do acesso?