Por Andréa Luisa Bucchile Faggion;
Originalmente publicado na coluna “Amém”, Edcyhis (Janeiro e Fevereiro de 2005);
Republicação adaptada pela MJ Beats.
“Michael Jackson é um sujeito esquisito que perdeu o senso do certo e do errado e, de lambuja, o contato com a realidade. Vive lunaticamente em um mundo só dele, onde as regras, pervertidas, são criadas por sua mente doentia. Como todo ‘doido’ que se preze, não tem a menor noção de sua verdadeira identidade social, de que o mundo o vê como um eremita maluco e perigoso. Parte de sua fantasia é acreditar que tudo está bem, que não há problemas, que todos o amam, que sua carreira ainda é um sucesso… Se bobear, ele nem sabe que pode ir para a cadeia, acusado de pedofilia.*
“Seus fãs, por pura identificação com o ídolo, criaram outro mundo de faz de conta ao redor dele. Nesse mundo, todos que atacam Michael fazem parte de uma conspiração maligna para destruí-lo ou agem por racismo (velado ou não). Some-se a isso a inveja e o interesse no dinheiro do cantor e conclui-se que todas as críticas e acusações seriam calúnias da oposição. Para essa ‘seita’, que provavelmente também acredita que Bush destruiu as Torres Gêmeas e que Elvis está vivo, a verdade está lá fora…”
Este é, basicamente, o resumo do que boa parte da população mundial pensa sobre Michael Jackson e seus fãs.
Agora, proponho um exercício: que tal tentarmos enxergar o mundo sob a perspectiva dos próprios fãs — e do próprio “maluco-mor”?
“Michael Jackson é um sujeito diferente, que construiu sua própria distinção entre certo e errado, criando uma realidade que, embora não convencional, não deixa de ser real. Ele vive em um mundo próprio, aberto a quem for de boa índole, onde as regras, libertárias, são criadas filosoficamente por sua mente genial. Como todo gênio, não está preocupado com identidade social ou com o fato de que o mundo o vê como um eremita maluco e perigoso. Parte de sua filosofia de vida é acreditar que o importante é ter a consciência tranquila e seguir seus princípios — mesmo que isso traga consequências dramáticas. Se bobear, ele pode até ir para a cadeia, acusado de pedofilia, por se recusar a abrir mão de suas convicções.*
“Seus fãs, por identificação com o ídolo, construíram um universo inspirado em sua filosofia. Nesse universo, parte-se do princípio de que não se deve confiar cegamente na mídia, uma vez que esta, longe de ser um serviço público autônomo, funciona como massa de manobra dos interesses das grandes corporações que a financiam ou a controlam. Considerando também que muitas opiniões pessoais são vendidas como fatos, o fã de Michael Jackson só acredita no que investiga por si mesmo, rastreando as origens das ‘matérias jornalísticas’. Para esse grupo ativo, inteligente, crítico e objetivo, a verdade reside nos fatos, não nas versões dos jornais.”
E agora? Quem tem razão?
Será que a maioria da população ignora fatos conhecidos por um grupo relativamente pequeno de fãs?
Ou será que os fãs estão fechando os olhos para fatos que seriam de conhecimento geral?
E, afinal, como falar em “fatos” se, a partir do momento em que há relato, temos apenas uma versão do fato?
Existem versões verdadeiras e versões falsas? Ou cada versão vale pela crença de quem a sustenta?
Vivemos em uma cultura que transforma pessoas em personagens e, nessa desumanização, abole a ética quando se trata de celebridades.
Vivemos em uma cultura que cultua o riso no deboche como valor máximo — literalmente, doa a quem doer.
Assim, parece ridículo que alguém pesquise tanto para fundamentar sua opinião e proteste contra a esculhambação promovida por quem gargalha ao falar em um “comedor de criancinhas”, como se pedofilia fosse a coisa mais engraçada do mundo.
Antes de se preocuparem com nossos argumentos, eles têm por alvo nós mesmos.
“Por que vocês se preocupam tanto com um homem que nem conhecem?”
“Por que se doem por ele?”
“Por que querem defendê-lo e provar sua inocência?”
Aqui a coisa se complica.
Como explicar isso?
Vamos dizer que amamos a verdade e que defenderíamos qualquer outro injustiçado?
Mentira! Não ficamos por aí lendo autos de processos de todo mundo.
Não passamos madrugadas investigando promotores.
Nós dissecamos o caso de Michael Jackson e lutamos por ele… só por ele.
Então somos apenas fanáticos?
Será que esse “só por ele” é realmente só por ele?
Ou seria também por nós mesmos?
Há fãs que não apenas gostam da obra de Michael, mas seguem sua filosofia de vida.
Permitam-me um depoimento pessoal.
Quando criança, apaixonei-me pela música e pela dança de Michael.
Sua figura me pareceu tão intrigante que quis saber quem era aquele homem.
Foi então que ouvi dele palavras que marcaram minha vida para sempre:
“O desenho não tem que estar no centro da folha de papel; o céu não tem que ser azul.”
Essa frase virou meu lema por quase 20 anos.
Penso nela sempre que tentam tolher minha liberdade com convenções sociais transformadas em “princípios absolutos”.
Tenho pintado meu céu da cor que eu bem entender — e devo muito disso a Michael.
Mas o mais importante: as palavras de Michael não foram só palavras.
Ele foi mais verdadeiro na minha formação do que qualquer professor, pai ou mãe poderia ter sido.
Por quê?
Porque é fácil ensinar princípios a uma criança com palavras.
O difícil é viver de acordo com esses princípios quando tudo está contra você.
Eu vi Michael humilhado em nome dos princípios que ele me ensinou.
Vi Michael abrir mão de ser uma unanimidade por causa desses princípios.
Vi Michael praticamente perder a carreira de maior sucesso do mundo em nome desses princípios.
Vi Michael preso e algemado por esses princípios.
E assim, vi Michael como meu herói — em uma época da vida em que a maioria já desistiu de acreditar em heróis.
Percebi que aquilo que eu havia me tornado era verdadeiro, porque Michael é de verdade — não apenas de palavras.
Por isso, foi a mim que humilharam.
Foi a mim que, com ele, prenderam e algemaram.
Mal comparando — e deixando de lado o caráter religioso do exemplo — os cristãos não seguem Jesus porque ele lhes ensinou meia dúzia de valores.
Eles seguem Jesus porque ele foi capaz de morrer por esses valores.
O mártir — seja Jesus Cristo, Martin Luther King, ou Michael Jackson — nos ensina o mais importante:
Que aquilo que aprendemos pode ser real.
[*] Este texto foi adaptado para refletir os valores e diretrizes atuais, com o objetivo de preservar sua relevância e respeito ao público contemporâneo.