Como Michael Jackson redefiniu o show no intervalo do Super Bowl?

O legado de Michael Jackson também incluirá o eterno título de “rei do futebol americano”. O medley de  canções que ele apresentou no intervalo do Super Bowl de 1993, em que o Dallas Cowboys massacrou o Buffalo Bills por 52 a 17, representou uma transição tectônica para a NFL.

Há décadas, a liga de futebol americano profissional ocupava o intervalo de seu principal evento anual com um elenco de pessoas que não poderiam ser mais cafonas: Up With People, Pete Fountain, Carol Channing, fanfarras, as dançarinas do grupo Rockettes, Elvis Presto e personagens Disney.

Jackson propiciou ao evento um feito inédito, e espantoso: seu show no intervalo atraiu audiência ainda maior que a do primeiro tempo da partida. A NFL havia por fim acatado a necessidade de recorrer a artistas de primeiro time, modernos e com amplos atrativos, para manter a atenção dos telespectadores durante o intervalo. Por isso, contratou Jackson como forma de continuar expandindo o conceito do Super Bowl como um megaevento que, como que por acaso, inclui um jogo.

Depois do Rei do Pop, as apresentações do intervalo passaram a ser feitas pelos maiores astros do momento na música, entre os quais Diana Ross, Stevie Wonder, Christina Aguilera, Aerosmith, U2, Shania Twain, Paul McCartney, Rolling Stones, Prince e Bruce Springsteen. Os músicos, que se veem forçados a trabalhar em um mercado cada vez mais fragmentado no setor de música, não precisam ser convencidos da importância de um show de 12 minutos de duração no intervalo de uma partida que atrai entre 90 milhões e 100 milhões de telespectadores nos Estados Unidos, e muitos mais no restante do mundo.

Michael, em sua apresentação, realizada no Rose Bowl, tampouco se comportou de maneira angelical: levou diversas vezes a mão à virilha, especialmente quando cantou Billie Jean. “Conversamos com ele durante os ensaios”, conta Jim Steeg, que na época era o diretor executivo de eventos especiais da NFL e hoje é vice-presidente de operações do San Diego Chargers. “Mas ele não exagerou tanto quanto temíamos”. Mesmo assim, afirma Steeg, “recebemos muitas cartas com queixas sobre a sua apresentação”.

Ele havia lançado o álbum Dangerous em 1991. Para a NFL, o Rei do Pop continuava a representar um poderoso antídoto capaz de reter a atenção da audiência e evitar o acontecido no intervalo do Super Bowl de 1992.
A rede de TV Fox, que na época ainda não transmitia jogos da NFL, decidiu que concorreria diretamente com a apresentação de intervalo do Super Bowl, que em 1992 envolvia Gloria Estefan, Dorothy Hamill e Brian Boitano, por meio de um episódio ao vivo de sua escrachada série cômica In Living Color.


A ideia funcionou, em certa medida, gerando uma queda de audiência de 10 pontos para a CBS no intervalo do jogo, ante os números da meia hora anterior. Isso convenceu a NFL de que precisava recorrer a um artista capaz de virar o jogo, e atrair mais os telespectadores da faixa etária dos 18 aos 34 anos. “Nossa análise do acontecido, depois daquele jogo, foi a de que precisávamos reforçar o nosso trabalho”, disse Steeg.

Um contingente de representantes da NFL, entre os quais Steeg e Arlen Kantarian, na época presidente-executivo da Radio City Music Hall Productions, que estava encarregada de produzir o espetáculo do intervalo, se reuniu em Beverly Hills com o empresário de Jackson, Sandy Gallin. Steeg e Kantarian sentiram que era preciso explicar em detalhes a situação a Gallin, porque acreditavam que Jackson não entendesse muito de futebol americano. “Nós sabíamos que estaríamos explicando a situação a alguém que teria de explicá-la a Michael em seguida”, conta Steeg.

Em reuniões subsequentes, Jackson exibiu uma ingênua curiosidade sobre um mundo do qual conhecia muito pouco. “Ele fazia perguntas sobre quem estaria na partida, e queria saber exatamente o que o Super Bowl representava”, disse Kantarian.

O interesse de Jackson se intensificou quando ele foi informado de que a partida seria transmitida a mais de 100 países, entre os quais diversas nações do Terceiro Mundo, e para bases militares dos Estados Unidos em todo o planeta. “Ele comentou que estaria chegando a lugares nos quais jamais poderia fazer uma turnê”, recorda Kantarian. “Nós conversamos com ele sobre os torcedores do futebol americanos, sujeitos da classe trabalhadora que talvez não fossem fãs de Michael Jackson, e dissemos que isso representava uma oportunidade para que ampliasse ainda mais a sua base de fãs. Ele com certeza já havia percebido esse aspecto. Era uma pessoa muito atenta e muito tímida”.

Gallin rejeitou as três primeiras propostas da NFL antes de por fim aceitar o convite, conta Kantarian. Em um determinado momento, o empresário de Jackson pediu um cachê de US$ 1 milhão. “Vocês devem estar brincando”, conta Kantarian que ouviu de Gallin. “Estamos falando de Michael Jackson”, ao ser informado de que a NFL só paga as despesas dos músicos que se apresentam nos intervalos do Super Bowl.

No entanto, a organização doou US$ 100 mil à Fundação Heal the World, que leva o nome de uma das canções que Jackson cantou durante a apresentação. Kantarian se lembra de que Jackson pressionou para cantar suas músicas mais novas, faixas do disco Dangerous, e não os sucessos do passado como Billie Jean ou Black and White.

De acordo com Kantarian, Michael disse que “Billie Jean é só uma canção, não tem significado algum”, e também que “vivemos em um novo mundo, e precisamos curá-lo” (uma referência a Heal the World, ou “cure o mundo”):

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