Oxford, Heal The Kids e a Luta de um Ídolo por Redenção, 2001

Oxford, Heal The Kids e a Luta de um Ídolo por Redenção, 2001

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A ligação veio às duas da manhã. No silêncio absoluto da madrugada, o toque do telefone cortou como um raio o véu da escuridão. Do outro lado da linha, uma voz americana familiar fez a pergunta que mudaria meu percurso jornalístico: “Você gostaria de encontrar Michael Jackson no aeroporto de Heathrow às 9h e passar alguns dias com ele?” Era o rabino Shmuley Boteach, uma figura elétrica e improvável no círculo íntimo do astro pop. O que parecia surreal era, na verdade, um convite para viver um dos episódios mais extraordinários da minha carreira.

Horas depois, eu estava dentro do turbilhão que é a vida de Michael Jackson. O cantor de 42 anos, já então descrito por Bob Geldof como “o homem mais famoso do planeta”, desembarcava em Londres com muletas, dor e a teimosia de quem se recusa a falhar. O objetivo: discursar em Oxford para lançar sua iniciativa de caridade “Heal the Kids”. Ele vinha, também, para ser padrinho do casamento de Uri Geller, paranormal e figura tão excêntrica quanto o próprio Jackson. A viagem tinha sido um drama: ossos quebrados, nevasca, greve de companhia aérea. E ainda assim, lá estava ele, firme em seu propósito.

A cena no aeroporto era uma coreografia precisa de silêncio e tensão. Michael apareceu usando uma máscara de seda preta, uma imagem poderosa e simbólica. A máscara, tantas vezes motivo de escárnio, era, segundo seu motorista Stan, um instrumento de espetáculo: “É para os fãs e vocês da imprensa. Garante imagens nos jornais de amanhã. Michael é um showman.” E de fato, do lado de fora do hotel, dezenas de fãs se amontoavam em sacos de dormir para tentar um aceno do ídolo. Era como se a presença dele dobrasse o espaço e o tempo.

O homem por trás da lenda é um ser frágil, atencioso e surpreendentemente espirituoso. Ele me recebeu com uma saudação militar cômica, mesmo exausto e mancando. Quando estávamos a sós, ele se revelava curioso, generoso e até fofoqueiro — no bom sentido. Sua voz suave tinha um timbre infantil, e ele ria alto de piadas físicas. “Ele parece uma adolescente anoréxica que nunca está satisfeita com o espelho”, pensei. E talvez, de fato, fosse esse o seu reflexo mais honesto.

Ele contou que a famosa “câmara de oxigênio” era uma brincadeira mal interpretada. Disse ao fotógrafo: “Se eu tivesse uma dessas, viveria até os 150 anos.” O tabloide “The Sun” transformou a piada em estigma. O mesmo tabloide que cunhou “Wacko Jacko”, um apelido que Michael desprezava. Tudo em torno de Jackson parecia virar fábula ou acusação. Mas ali, no quarto do hotel, ele era apenas um homem tentando fazer algo bom pelas crianças — e por si mesmo.

Era impossível não ver a dor física e emocional. Cambaleava nas muletas, tentando manter a compostura. O rabino Shmuley, seu mentor, parecia inquieto. Ele acreditava de fato que Michael merecia uma segunda chance — uma redenção pública pela via da caridade. Shmuley dizia que Michael era um homem incompreendido, com coração de criança e uma missão que ultrapassava a fama. E, por mais paradoxal que pareça, eu começava a ver isso com meus próprios olhos.

Naquela noite, presenciei uma cena surreal: uma batida na suíte e, ao abrir a porta, Macaulay Culkin entrou com um sorriso largo, dizendo: “Oi, cabeça de macaco gordo.” Era assim que os dois se tratavam — dois ex-meninos-prodígios se encontrando na idade adulta, ambos carregando cicatrizes de uma infância pública roubada. Para Michael, os adultos eram uma decepção. Ele se dizia pouco orgulhoso de ter se tornado um, e buscava refúgio em quem entendia sua dor.

As acusações do passado pairavam como nuvens carregadas. Mesmo tendo sido inocentado e nunca formalmente acusado, os rumores jamais o abandonaram. Ele fez um acordo judicial milionário para preservar sua sanidade, mas o dano à imagem foi irreparável. A imprensa o condenou muito antes da justiça sequer analisá-lo. Porém, para quem esteve com ele, como eu estive, havia uma clareza difícil de explicar: Michael era inocente — e terrivelmente ferido.

É fácil julgar um mito. Difícil é sentar-se ao lado do homem. Aquele que dança como ninguém, mas caminha com dor. Que sorri com timidez, mas carrega o peso do mundo nos ombros. Que, cercado por máscaras, é mais transparente do que todos os que o julgaram. Ao final da semana, quando ele me agradeceu com um aperto de mão, percebi que nunca mais escreveria sobre ele da mesma forma. E talvez nunca mais sobre ninguém.

por Jonathan Margolis, Mail on Sunday, março 2001


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